segunda-feira, 30 de junho de 2008

MOLECAGEM

Abriu a porta lentamente com a arma em punho. Foi alvejado no peito aberto. Descuido imperdoável na profissão. Longe da porta, ainda ouviu seu coração reclamar. Teto preto. O tempo fechou geral. Era uma presa fácil. Levantou a pistola com muita dificuldade, se ajeitou e levou um bicão na mão. O trabuco foi longe. Sem chance de recuperação. Viu seu carrasco se aproximar. Foi arrastado para dentro do armazém, deixando para trás apenas seu rastro de sangue. Um João sem Maria em uma selva de pedra. Permaneceu por muito tempo sem saber direito o que lhe acontecia. Só dor. Facas, alicates sujos de graxa, fios e sacos plásticos. Era uma seqüência punk com os mais sádicos métodos de tortura nazista. Não conseguiu gritar. Sofreu em silêncio, sabia que não seria resgatado dali com vida. Um gato nos dentes de um pitbull raivoso. Viu sua perna esquerda sendo pendurada, aos pingos. A visão embaçou. Esticou-se até alcançar a outra, mas escorregou no seu sangue quente que jorrava. Era o seu fim. Caiu para o lado e quebrou-se todo no chão.
- Mãnhêeee! O Paulinho quebrou o enfeite da mesa.
- Desgraçado! Foi presente da sua avó. Vem cá que eu vou arrancar sua orelha!
O garoto saiu correndo para o quintal, subiu na mangueira e ficou por lá até a hora do seu pai chegar.





domingo, 29 de junho de 2008

VALEU

Valeu aí, as meninas que ligaram, pena que não rolou. Tô com o contato de vocês e com certeza pra frente vamos fazer algo. Mas olha, frequentem mais os eventos da FETEARR e dos grupos que são filiados à ela. Visitem o blog, teatroderoraima.blogspot.com e conheçam os outros, vão se enturmando. Legal saber que tem gente nova por aí afim de fazer teatro.

Continuo procurando... É isso.





sábado, 28 de junho de 2008

PROCURO UMA ATRIZ. VOCÊ VIU POR AÍ?

Aí, tô afim de fazer uma leitura de um texto meu. São duas atrizes e tá faltando uma. Por enquanto é só uma leitura, não tem nada certo. Assim, é numa de me dar uma força mesmo. É legal fazer uma leitura com outras pessoas pra ver a legitimidade do que escrevi. O que preciso mudar, ouvir opiniões de quem tá afim de contribuir, o que for.

A história é a seguinte, escrevi um texto pensando em duas pessoas que admiro muito. Entreguei o texto pra elas e aguardei o contato. Uma delas já havia conversado comigo e foi bem legal o papo, porque ela disse coisas interessantes e mesmo sem entrarmos muito em detalhes, não era a hora e nem o local, percebi seu interesse pela discussão. O teatro proporciona isso. A outra infelizmente não topou a leitura. Questões pessoais, enfim, uma pena, gostaria muito de ter ouvido sua opinião sobre os assuntos abordados no texto, mas a discussão não rolou. Acredito que poderia contribuir com meu trabalho, mesmo não fazendo a peça. Mas é isso.

Então, se alguém quiser fazer essa leitura, me dá um toque. A personagem tem 18 anos. A princípio é apenas uma leitura, sem compromisso com montagem, não é dramatizada, será apenas nós três. Valeu? Ah, e não precisa ser atriz, certo? De repente alguém que curta teatro, mas nunca teve oportunidade de fazer, essas coisas.

8114 - 0349



FAXINA GERAL

A faxina rolou legal hoje. A sede da Cia. do Lavrado tá com outra cara. Quadros na parede, cera no chão, tudo bem organizado e teve até um churrasco delicioso. Faltou nosso amigo Renildo, que precisou viajar às pressas. Não vou enrolar muito não, tô feliz. A casa tá pronta para os novos projetos que virão. É isso.




sexta-feira, 27 de junho de 2008

FIM DO DIA

Fiquei indignado com um vacilo meu. Fui pra Cia. do Lavrado, hoje à tarde, trabalhar num texto que escrevi em março deste ano. Deve ser o 5º tratamento que dou à ele. Cara, achei um monte de coisas pra modificar, criei novos diálogos, surgiram outras questões pra abordar. Tava no maior ritmo. E não sei porque, mas apaguei o texto. Eu tava digitando direto pelo pendrive e aí, fudeu. Lá se foram todas as anotações. Tudo que eu havia conquistado numa tarde, desapareceu com um simples toque no teclado. São acidentes que não deveriam acontecer, mas agora já era. Já conheço essa história. Vou terminar de digitar aqui e mergulhar no texto até de madrugada. Dificilmente acertarei todas as modificações, mas outras surgirão. O legal disso é que quando eu pego um texto pra fazer algum tratamento, assim, depois de um tempão de escrito, significa que vem história nova por aí. É como se fosse um esquenta, sabem? Vou curtindo a outra história e aí quando vejo já tô abrindo outro arquivo e inventando mais. Escrever diariamente tem sido uma das metas que tô conseguindo dar continuidade este ano. Já tô assim desde janeiro. Ou uma peça, ou um conto, ou alguma coisa bem pessoal, agenda, sei lá, o que der na telha. Já consigo dizer não pra tv. Nunca pensei que pudesse ver menos tv. E nunca passou pela minha cabeça ficar grudado tanto tempo no computador ou lendo um bom livro. São novos hábitos. O blog tem me ajudado bastante. Sei que tem uma pá de gente entrando aqui e me sinto com a responsabilidade de sempre ter alguma novidade. Eu sou rato de blogs. Verdade. Todos os dias eu entro em pelo menos três blogs. Acompanho o trabalho de dois artistas. Mato minha curiosidade, minha sede de aprender e de perceber novas formas, inclusive de promover o teatro. Essa tecnologia é muito bacana e facilita bastante a vida de quem escreve. Cheguei agora da Faculdade Atual e o encerramento da oficina foi incrível. Duas cenas de Teatro-Fórum, metodologia do Teatro do Oprimido. A discussão rolou legal. Depois teve um lanchinho gostoso. Admiro a Faculdade Atual por persistir na busca de novas metodologias, que acrescentem na formação de seus profissionais. Eles estão à frente. Em breve criarão um núcleo de pesquisa teatral dentro da Faculdade. Já ministro oficinas por lá desde 2005. E o resultado sempre me surpreendeu. Já falei tanto disso na Federal, mas por lá não acontece nada. Às vezes nem aulas. Me desculpem alguns professores, mas essas horas dá pra questionar a estabilidade desses profissionais engessados. É isso. Fico por aqui, até porque tô louco pra cair dentro do meu texto. A madrugada parece que vai ser longa...e amanhã tem faxina geral na sede da Cia. do Lavrado. Com direito a churrasco e tudo. Vai ser uma comunhão legal. Arrumar a casa para o 2º semestre. Preparar tudo para o próximo semestre deste ano. Como dizem por aí, - é nós na fita, mano! Meio escroto, mas vem bem a calhar.

URGÊNCIAS

Peguei o texto de filologia, aquele da resenha, lembram? E joguei pro lado. Tô afim agora não. Sério. Tô aqui olhando a chuva pela janela e me lembrei da época em que eu era criança e adorava soltar pipas. Cara, eu era um viciado em pipas. Eu soltava pipa até de noite. Muito obsessivo mesmo. Eu ficava em casa trancado no quarto, à beira da janela esperando a chuva passar. Um quarto cheio de rabiolas pra tudo quanto era lado. O terror pra minha mãe. Parecia que alguém vendia pipas por ali. E tinha dias que a chuva não passava. E eu ficava por lá. Cada vez com mais rabiolas. Eu preparava sempre reservas, pra não perder tempo, sabem? Sentia um vazio fudido. Queria muito tá na rua, empinando minha pipa e cortando geral. Voltei pra falar disso porque me lembrei da urgência do ator e percebi que naquela época eu sentia essa mesma urgência. Urgência de ir pra rua, de estar livre através das minhas pipas no céu. Urgência em fazer algo que me cobria de satisfação. Quando bater aquela preguiça pra trabalhar, natural, vou me lembrar das tardes que passava trancado no quarto, com a cara tristonha na janela. Rezando pra chuva desaparecer e o sol me convidar pra brincar de pipa lá fora.




O INVERNO CHEGOU POR AQUI

Que dia delicioso. Acordei cedo e fui ver a chuva lá fora. Nem escovei os dentes. A entrada de minha casa tava alagada e dei um jeito pra abrir o portão sem precisar me molhar. Me despedi da Tatiana e voltei pra casa. Fiz um café esperto. Sintonizei na estação de Rock Clássico e entre Janis e Hendrix, fumei um cigarro na varanda, rodeado pelos meus quatro cães. Nesta época no Rio de Janeiro, tem vezes que rolam semanas assim, com essa chuvinha sem fim. É muito bom. Sair na rua completamente agasalhado. Não tomar banho por causa do frio. Que se foda. Nunca ouvi dizer que alguém já morreu por isso. Andar pelas ruas se escorando pelas marquises...em Boa Vista faltam marquises. Nesse exato instante a chuva apertou legal. Hoje não tenho ensaio. O trabalho de prevenção tá muito louco, até gaita eu tô tocando. Três malucos cantando em prol da adesão ao tratamento do HIV. Só na minha vida mesmo... E o pior que as músicas ficaram legais pra caralho. Ingênuas na sua composição, mais legais sim. Semana que vem terminamos os ensaios e partimos pras apresentações. Sinto falta quando não tem ensaio. É um momento do trabalho que me divirto muito. Tem muito ator por aí que não gosta de ensaiar. Não entendo. Sinceramente. E ainda tem outros que gostam de ficar pouco tempo em cartaz. Se eu pudesse, estaria ensaiando um trabalho atrás do outro. Sem tempo nem de respirar. Se eu pudesse, esticaria ao máximo meus espetáculos. Porra, se a briga toda é pra entrarmos em cartaz, quando consigo, dou um jeito de pular fora? Não. Se eu pudesse, sairia de cartaz e já entraria novamente com outro trabalho. Eu vivo pra isso. Não penso em outro objetivo na minha vida profissional. Necessito desse trabalho. Essa urgência me faz pensar assim. Urgência? Deve ser isso, nem todo mundo deve sentir a urgência de estar em cena. Ah, e essa realidade não é isolada, antes que assumam carapuças por aí... no Rio de Janeiro também era assim. Minha leitura é geral dessa situação. Queria ter feito hoje a leitura do último texto que escrevi. Mas não rolou. Fazer o quê? Semana que vem fecho essa proposta. Não sei quem o fará, mas tô decidido a estreiar em Setembro. Com quem for. Acredito que a temática dá o maior pé nessa cidade, muitos jovens por aqui se suicidam. E poucos sabem disso. Já quero começar os ensaios em Julho. Nem que para isso eu o faça separado da Cia. do Lavrado.
Bom, vou fazer minha resenha de filologia, escrever um conto qualquer, terminar aquele romance atrasado do Bukowsky, almoçar, pirar um pouco e no fim do dia vou pra Faculdade Atual encerrar a oficina de teatro, que tô ministrando lá desde segunda. A vida tá legal pra caralho. Sem essa de síndrome de Polyana, mas cara, não posso reclamar. Acho que minha satisfação tá ligada à minha aceitação. É mesmo, eu aceito a vida e suas surpresas, mas não me acomodo de jeito nenhum. Quero sempre o melhor. O simples. É isso. E encerro com Peter Gabriel, Sledgehammer. Outro clássico.





SONORA BRASIL - HEITOR VILLA LOBOS



Só repassando...


INFORMATIVO CULTURAL SESC

E no dia 27 a I Etapa do Projeto itinerante "Sonora Brasil - Heitor Villa Lobos", com a Orquestra do Estado do Mato Grosso.
Formada por músicos profissionais de várias partes do mundo e de diversos estados brasileiros a Orquestra valoriza a cultura mato-grossense em diálogo com a música universal, sendo a única do país a incluir instrumentos "populares" em seu instrumental permanente.
A apresentação será no Palácio da Cultura Nenê Macaggi com abertura da Orquestra Infanto-Juvenil do SESC às 20h.
A entrada é 1 Kg. de alimento
*Maiores Informações no Núcleo de Cultura do SESC
F: 3621-3939/3621-3947/9972-7210-
- Atenciosamente
Claudir Lima Cruz
Assistente da Gerência de Cultura



quinta-feira, 26 de junho de 2008

TUDO NA CAÇAPA

Só restou o vazio da mesa e o silêncio assustador pelo ar. Ele nunca havia perdido um campeonato. Enfiou o taco nas costas e deu meia-volta. Cabisbaixo. O foco preciso no chão. Debruçou-se no balcão e pediu um conhaque. Nem sentiu o gosto. Pediu um outro mais transbordado. Não costumava passar da segunda, mas seu orgulho se encarregou de não parar a contagem. Ficou bebaço. Chorou baixinho para dentro do copo a noite toda. Trocou poucos olhares mudos. Era um apaixonado que havia perdido sua amante dos braços. Jurou que nunca mais iria jogar. Passou o resto dos seus dias enfiando o pé na jaca em um bar. Só. Um dia, em uma festa de sua cidade, surgiu um novo campeonato. Em pouco tempo já estava de novo com aquela penca de amigos, puxa-sacos desgraçados. Ficou limpo. Comprou roupa nova e tudo. Fez sua inscrição e aguardou sua vez. Dirigiu-se a mesa agitado. Suava frio demais. As pernas estavam super bambas. Mais se encostou, do que ficou ao lado. Mirou a bola com toda convicção e meteu a porrada nela. Acertou umas quatro, que foram diretinhas para as suas caçapas. Gritou de felicidade. Ficou valente para a próxima tacada. Com todo o seu charme, arrochou no seu giz. Mirou com toda certeza e... Rasgou o forro da mesa e zuniu a bola do outro lado do salão de bilhar. Estava eliminado na primeira rodada. Foi demais para ele. Se agarrou à uma garrafa de conhaque e se mandou do salão por debaixo das mesas. Sentou-se no beco ao lado e fixou residência por ali. Nada mais era importante, nem mesmo todo o seu orgulho.





quarta-feira, 25 de junho de 2008

QUALQUER LUGAR É UMA MERDA

Fechou a porta estreita do carrinho. Rezou. Não conseguiu comunicação devido ao ruído provocado pelo arranhar das rodinhas no trilho. Agarrou-se à trava de segurança. Imaginou o xburgui em todas as direções. Risadas forçadas o incomodavam bastante. E ele estava extremamente incomodado com todas aquelas risadas gratuitas.
- porra, seus malditos, a gente pode morrer e vocês tão rindo? Reclamou aos berros de dentro de seu carrinho. E continuou lá, com aquela cara invocada de quem sabia que não ía chegar para a janta mais tarde. Aproximou-se da descida. Os risos aumentaram. Ele ficou com o corpo fora do banco, preso à trava e reclamando com todo mundo.
- Parem de rir, seus desgraçados malucos! E o povo parecia hipnotizado. Era bom demais para eles. Instantaneamente caiu como um paralelepípedo do céu. Recolheu para dentro do corpo seus pedaços escapados e. Deu uma cabeçada na trava. Desmaiou. Perdeu todo o restante do passeio. Quando acordou, estava ao lado de uma jaula fedida. E cheio de bosta de cavalo por cima. Olhou para o outro lado e viu a montanha russa à distância. Esbarrou em um pedaço de merda, olhou novamente para longe e virou para o lado. Estava conformado com sua escolha.




PÉ DE VALSA ENGOMADINHO, PORRA NENHUMA, CARA!

Chegou no baile todo amarrotado. O cabelo pouco grudado na cabeça até que dava seu charme. Limpou os sapatos nas costas da calça e invadiu o salão. Deu uma geral e separou as gatas das barangas com o olhar. Pediu uma coca. Filou um careta. Jogou bolas de fumaça pelo ar. Bolas que se transformavam em corações. Ajeitou a pica no lugar e partiu à sua caça. Era um bote fácil demais. Fazia sempre assim quando queria curtir a noite com mais de uma mulher. A presa fácil atraía as piranhas mais caras. Dançou um bolero. Beijou muito. Ele e sua parceira provisória arrasaram na pista de dança. Se valesse prêmio, com certeza teriam levado um. Esquivou-se de sua dançarina e arrastou as asas para um outro lado. Deu de cara com uma morenaça. Muito alta. estilo - já derrubei muito caboclo por aí... Estacionou ao lado e puxou assunto.
- Então? Mandou ele.
- Já é! Mandou ela. Simples. Dançaram a noite toda. Haviam escolhido um ao outro. Foram os últimos do salão. O sol já cutucava a moleira dos boêmios sem endereço certo. Eles foram tropeçando aos beijos pelo caminho, trocando babas nervosíssimas, se apalpando de montão. E foi assim, durante todo o tenebroso percurso até o motel à beira da estrada. A única coisa que lembraram de pedir, apenas com gestos, foi para que não os incomodasse jamais. Nunca mais.






terça-feira, 24 de junho de 2008

EXPOSIÇÃO NO SESC

Ei, pessoal, só repassando...

Exposição mostra as canoas coloridas do Rio Branco

O Sesc apresenta nesta quarta-feira, 25, a partir das 19h, a edição deste mês do projeto Café com Letras. Durante o evento será aberta a exposição fotográfica "As Canoas Coloridas do Rio Branco", do escritor e fotografo Adilson Brilhante, dentro do projeto ArteSesc. A entrada é franca.
O Café com Letras terá a participação especial de Cora Rufino, Eliakin Rufino e Neuber Uchôa. Os interacionistas serão Adilson Brilhante e o Barqueiro Boboco da "Marina Meu Caso". Além deles, haverá o depoimento do pescador Manuel Julião.
O 30 de junho, conta Adilson Brilhante, é dia importante para quem vive as margens dos rios da Amazônia. Essa data marca o fim da piracema ou defeso. É o tempo em que os rios, igarapés e igapós estão em estado de gestação. Completado o ciclo, as águas estão renovadas de vida e os trabalhadores voltam a pescar o sustento das suas famílias.
A exposição fotográfica "As Canoas Coloridas do Rio Branco" volta o olhar para as embarcações que, nesse período, fazem o transporte das baulustas para a Praia Grande. Quando observadas mais atentamente as cores das canoas desvelam surpreendente beleza.
Quando observadas mais atentamente as cores das canoas desvelam surpreendente beleza.
"Esse ensaio é também sobre a educação do olhar e terá atingido seu objetivo se, a partir de agora, todos que amam o belo, a vida e a natureza, tratem melhor esse rio que é estrada, trabalho e paisagem da cidade", afirma Brilhante.

Gilvan Costa
Assessor de Comunicação do Sesc Roraima
3621-3937 / 9971-8132 / 9972-9220







segunda-feira, 23 de junho de 2008

CADÊ A TEMPESTADE?

O vento carregado da noite fria não permitia que ele desse mais outro passo. Ficou parado. Contra vontade. Acumulou forças e deu mais um passo. E assim foi durante todo o percurso. Ouviu um estrondo à sua frente. Mas não parou. A noite apagou todas a suas luzes e o tempo fechou. Encontrou-se no meio de uma tempestade de areia. Totalmente sem direção. Quando deu por conta, seus pés estavam fora do chão. A terra era vista de cima. Mesmo solto, se sentia completamente preso, seguro. E viu um bando de sapos, entrou e saiu de dentro de uma bela casa, trocou olhares fervorosos com umas vinte gatas. E vomitou. Aumentava e diminuía. Lento, rápido. Sem parar. Viu sua casa no meio daquele nada repleto de tudo. Subiu mais veloz. Teve ajuda de alguns sapos. Muitas mãos também. Conseguiu entrar na sua casa. Todo desajeitado catou o sofá. O controle da TV. E ficou lá, até a tempestade acabar.




domingo, 22 de junho de 2008

QUE SE @#$%¨&*() !

MENTE INQUIETA
INSÔNIA ACOSTUMADA
O FIM DO ÚLTIMO TRAGO
O MAÇO VAZIO
A CABEÇA ENTUPIDA
AS IDÉIAS ATROPELADAS
OS VIZINHOS INCONVENIENTES
OS AMIGOS INIMIGOS
OS INIMIGOS FALSOS AMIGOS
A SABEDORIA NÃO É CALAR
A SABEDORIA NÃO É PENSAR QUE SABE
É (QUEM SABE?)NÃO SABER QUE SABE O QUE SABE





ESPIRITUALMENTE COMIGO MESMO

Caminhou até o fim da rua. Estava com a cabeça baixa por opção. Não trazia nenhum pensamento importante naquele momento. Queria apenas passear. Se pudesse não pensar, seria ótimo, mas não conseguia esta proeza. Nunca foi um monge. Nunca foi ligado à nenhuma religião. Quando jovem, pirou total. Sentiu que precisava seguir um caminho espiritual. Visitou diversas igrejas, passou por seitas malucas, conversou com pastores e continuou sua peregrinação em busca da falada paz. Ou talvez, mais tumulto, pois sabia que surgiriam muitas questões. Dava uns tapas, de vez em quando. Dizia para todomundo que era para dar um colorido na vida. E assim ía. Um dia, passando pelo bairro do Flamengo, esbarrou em uma placa-convite. TEMPLO HARE KRISHNA. Resolveu subir a ladeira. Chegou à porta e viu uma multidão em fila. As pessoas entravam, deixavam seus calçados e pegavam um chinelo. O local era muito tranquilo, com pessoas espalhadas pelo jardim. Umas liam, outras conversavam. Um clima de céu legal. Se aproximou dele uma mulher com a cabeça raspada e uma bandeja de comida nas mãos. Ele se serviu. Eram comidas completamente diferentes das que ele estava habituado. Comeu bastante. Deu alimento à larica maluca e até repetiu. Ouviu um sino. Uma única batida que saiu em uma propagação quase infinita. As pessoas começaram a entrar no salão. Ele estava cabreiro, apenas deixou a coisa tomar jeito. Foi um dos últimos a entrar. Não tinha outra escolha. Apesar do excesso de comida, ainda estava ligado demais. Não gostava de lugares fechados, com muita gente, principalmente na condição em que estava. Começou uma cantoria. Ritmos orientais. Um bando de carecas caminhando pelo espaço, entoando mantras monossilábicos. As pessoas, em seguida, começaram a imitação. Em pouco tempo estava uma correria danada dentro do amplo salão. Ele parado. Incrivelmente parado. Mexia apenas a cabeça, já tonta com diversas direções. Percebeu vários olhares indesejáveis. Começou a sua caminhada sem tirar os olhos das outras pessoas. Desconfiou. Não perdeu tempo. Saiu correndo desesperado. Tinha certeza que queriam pegá-lo de qualquer jeito. Encontrou uma oportunidade e se mandou dali. Pegou o primeiro calçado pela frente e desceu a ladeira. Sua caminhada, ou sua corrida, espiritual havia chegado ao fim.



AGORA SÓ FALTA O INTERIOR


CORA RUFINO E RENATO BARBOSA
FOTO: TATIANA SODRÉ
A última apresentação do espetáculo A RETRETE OU A LATRINA foi muito bacana. Aconteceu ontem, na Praça das Águas, às 20h. Tinha Festa Junina no Parque Anauá e o público chegou bem tímido. Na verdade, às 19:50 não tinha praticamente ninguém, mas quando deu oito horas, começou a vir gente de todas as direções. Ficou lotado. Muito bom mesmo. O grupo estava confiante e conseguimos dar um ótimo presente para o público. Finalizamos com chave de ouro e até o chapéu foi caprichado, mais de cem reais. Encerramos a noite na pizzaria. Agora é só nos prepararmos para o segundo semestre. Temos muitos projetos e vamos cair de cabeça neles. Não podemos parar. Vamos produzir teatro. É isso. Estamos fazendo a nossa parte.
Até o segundo semestre!






GRUPO DE ESTUDOS FETEARR

Ontem rolou o grupo de estudos da FETEARR. Compareceram por lá os grupos, CIA. DO LAVRADO, GRUPO CRIART, CIA. ARTEATRO E CIA. LOCOMBIA. E assim cumprimos com mais uma etapa desta ação importantíssima da FETEARR. Seria muito legal se todos os grupos participassem e se todos os integrantes de cada grupo comparecessem. Mas infelizmente não podemos conseguir tudo, não é mesmo? O legal foi ver uma moçada nova discutindo um teórico importantíssimo para o teatro e empolgados com o seu método. É bom observar que STANISLAVSKY não foi e não será o único teórico teatral. E que seus livros não são receita de bolo e sim literatura. Literatura de ficção. Existem sim, valiosos ensinamentos e exemplos bem interessantes a serem seguidos, mas de nada adiantará se o ator ou atriz não pesquisar por conta própria. O nosso estudo é apenas uma ação motivadora. Em cada trabalho, cada espetáculo, é necessário experimentar o que foi estudado. Mais uma vez digo, não como sendo a solução ou como sendo o único exemplo a seguir e sim um ingrediente importantíssimo para que o ator ou atriz busque o seu próprio método de interpretação, independente de diretor ou qualquer outro teórico. É isso.











CASA CULTURAL CAIMBÉ

Gabi e a anfitriã Rose
Foto: Marcelo Perez

Tatiana Sodré dentro da obra de arte. É verdade, a casa toda é uma obra de arte. Nas paredes, os trabalhos de Isaias Miliano.

Foto: Marcelo Perez

Tatiana Sodré e o grande artista, Isaias Miliano.

Foto: Marcelo Perez

O bar estava super aconchegante.

Foto: Marcelo Perez

E Neuber Uchôa arrebentou por lá.

Foto: Marcelo Perez

A CASA CULTURAL CAIMBÉ veio pra ficar. Estive lá na sexta passada pra conferir a exposição do artista plástico Isaias Miliano e lógico, curtir o local agradável. Um lugar super transado no qual cada espaço da casa respira arte. A Rose, dona da casa, abriu as portas pra exposição do Isaias e uma pá de amigos apareceram por lá. Teve até show com Neuber Uchôa. Uma turma animada, consumidora de cultura e afim de colocar o papo em dia. Precisamos de mais espaços assim, onde podemos encontrar pessoas queridas, falar um pouco sobre cultura, tomar uns drink's e curtir uma boa música local. É isso. O espaço não está aberto permanentemente, mas assim que tiver outro agito por lá, prometo que coloco por aqui com antecedência.








sexta-feira, 20 de junho de 2008

CAUSA DA MORTE: ROTINA

Casou-se cedo demais. Não teve tempo de espalhar mais filhos pelo mundo. Ficou nos oito. Mais os três legítimos da oficial. Não ganhava bem. Aposentado. E ainda tinha que dividir o mísero salário com a turma toda. Os piores eram os mais novos, com suas exigências chorosas e inquietantes. Bem antes do fim do mês já estava duro. Um dia caiu nas mãos do agiota e nunca mais saiu de lá. Já era íntimo. Frequentava tanto sua casa, que pegou o hábito de levar biscoitos nos finais de tarde. O agiota preparava um café forte e eles conversavam sem parar. No final, saía com o seu cheque emprestado. E assim viveu. Não acreditava nessa história de loteria. Quando muito, já havia arriscado a sorte no jogo do bicho. A idade pesou. A preocupação com seus herdeiros miseráveis, o fez cair na lábia de um vendedor de seguros. Uma apólice altíssima. Somou tudo que ganhou em toda a sua vida, e não chegou nem perto. Foi em frente. A manteve escondida. Segredo de estado descoberto por sua mulher. O casamento já não ía nada bem. Sexo nem pensar. Sua mulher já trazia no corpo as marcas de uma vida exausta e ridícula. Começou a ter sonhos de riqueza. Ela não tirou mais o valor da apólice de sua cabeça. Via seu marido apenas como um prazo para a sua virada total. Ele estranhou a mudança de comportamento. Estava mais amável. Ela acreditava que com um vida tranquila e com menos remédios, ele iria cantar pra subir muito mais rápido. Mas não foi o que aconteceu. O aposentado ficou esperto. Aderiu às balinhas azuis e não dava mais sossego para sua mulher. Ela não tinha mais tempo nem para sonhar. sentiu o risco que corria. Talvez empacotasse primeiro que ele se continuasse naquele ritmo. Levantou uma manhã determinada a por fim naquela história. Fez o café gostoso do marido. Torradas com menteiga do jeito que ele adorava. Frutas. E bolo, não podia faltar um bolinho para alegrar o marido. Sentou-se à mesa com sua mulher e detonou o presente. Levantou-se para buscar mais leite na geladeria. Abriu a porta. Deixou a garrafa do leite despencar. Estrebuchou com as mãos na barriga e caiu. A mais nova ricaça do pedaço comprou uma rede de Postos de Gasolina, internou os menores em um colégio na Europa e passou a viver em uma praia do Caribe.



quinta-feira, 19 de junho de 2008

AGORA MINHA SORTE MUDOU

AGORA MINHA SORTE MUDOU
(Gabriel Thomaz - Banda AUTORAMAS)

Agora minha sorte mudou, agora eu posso ter o que eu sempre quis pra mim
Agora que o tempo passou, agora é fácil ver o que eu posso corrigir

Agora minha sorte mudou, agora eu posso fazer o que eu sempre quis, eu sei
Agora que o tempo passou agora é fácil ver aonde foi que eu errei

Nada mais me impede eu posso ir em frente
Agora é que tem que acontecer
Agora eu vejo que agora é que tem que ser

Agora eu sei o que realmente vale a pena, agora eu sei o que é importante pra mim,
Agora eu sei o que eu realmente quero e assim é bem mais fácil conseguir

Nada mais me impede eu posso ir em frente
Agora é que tem que acontecer
Agora eu vejo que agora é que tem que ser

Agora eu sei o que eu tornei complicado como se eu já não tivesse problemas demais
Tenho percebido como eu tenho mudado e o que me incomodava ficou pra trás
Agora eu enxergo o que me fez perder tempo e o que eu não quero nunca mais ter pra mim




IRONIA DA VIDA

Ontem quando eu voltava pra casa, vi um cara no sinal jogando bolinhas ao ar. Um artista de rua. Mandou bem pra caramba. Passou perto dos carros e recolheu algumas moedas do público. A maioria desses artistas são de outros países e estão de passagem pelo Brasil pra desenvolverem suas habilidades. Conheci um casal de artistas brasileiros, que hoje mora no Panamá, se não me engano, e vive bem lá. Fazendo arte. Esse mês, conheci outro casal, só que esses eram estrangeiros, e que estavam pela primeira vez no nosso país. Eles até fizeram uma apresentação conosco no Banquete Teatral. Estavam equipados. Um carrão da Venezuela, bonito pra caralho. Lap top. Não estavam de bobeira não. São artistas.

Tô dizendo tudo isso, porque me lembrei de um texto do jornalista Jessé de Souza, na Folha, no qual ele sentava o pau nos artistas de rua. Dizendo que são todos uns drogados e oportunistas. Tudo por causa dos sinais. Enfim, esses dois casais são apenas alguns exemplos de artistas que eu já tive o prazer de esbarrar em Boa Vista. Aquela história tradicional que diz que: artista é tudo viado, maconheiro e vagabundo, me parece que nunca foi esquecida.

Obs. Tem jornalistas aí que nem tem carro, uns são viados e muitos puxam fumo pra caralho.








BOCA NO MUNDO

Invadiram sua casa às duas e meia da manhã. Tentou esconder seus escritos. Deu descarga. Deixou as palavras voltarem à sua origem. O arrastaram para fora. Foi surrado por todos os guardas do pelotão. Corredor polonês. O trancafiaram em uma sala escondida no porão do depósito. Ficou lá. Com pouca luz. Dividiu o papel e o lápis com os insetos proprietários do lugar. Precisava fazer uma declaração. Uma concessão aos seus valores. Escreveu uma história qualquer. Foi o único jeito de sair daquela situação. Não podia aceitar que suas palavras fossem medidas. Enfiou o papel por baixo da porta. Apenas ouviu insatisfação. O ar começou a faltar. A ventilação contaminada deu início a uma contagem regressiva com fim programado. Caiu em um sono profundo. Se juntou à montanha de corpos na beira do campo. E ficou por lá mesmo.





TEATRO NO SÁBADO


TEATRO
A RETRETE OU A LATRINA
SÁBADO - 21/06 - 20 H.
PRAÇA DAS ÁGUAS - BOA VISTA - RR
ÚLTIMA APRESENTAÇÃO, NÃO PERCA!
ELENCO: CORA RUFINO, FRANCISCO ALVES, RENILDO ARAÚJO E RENATO BARBOSA.
DIREÇÃO: MARCELO PEREZ
PATROCÍNIO: PETROBRAS, através da FUNARTE.APOIOS: Jornal Roraima Hoje, Escola Estadual Monteiro Lobato, FETEARR, FETEC, SESC, Casa do Cabeleireiro, Perín Veículos, Val do Frangão, Faculdade Atual da Amazônia e LB Construções.





GRUPOS DE ESTUDOS

Próximo sábado, 21/06, vai rolar a segunda etapa do GRUPO DE ESTUDOS DA FETEARR. Vai ser lá no Museu, às 8h. Quem quiser aparecer por lá será bem recebido. Estudaremos STANISLAVSKY.
Essa é uma ação da Federação de Teatro de Roraima que visa fomentar à busca teórica e agregar interessados em discutir sobre teatro.
Não se esqueça de levar alguma coisa pra contribuir com nosso café da manhã.
Até lá!




RORAIMA ROCK

Última edição do Roraima Rock acontece neste sábado

Neste sábado, 21, às 21h, no Espaço Multicultural Sesc Centro, acontece a última edição do Roraima Rock. Desta vez, sete bandas sobem ao palco para tocar suas próprias composições. No evento também será feito o lançamento oficial do IV Roraima Sesc Fest Rock.
Nesta edição estarão se apresentando as bandas Alt F4, Belinni, Hangar HC, Several Bulldogs, Somero, Sophia não Foi à Escola e Veludo Branco.
Os ingressos antecipados podem ser comprados na Shop Som, por R$ 3,00. Na hora os ingressos serão vendidos a R$10,00, mas estudantes com carteirinha, comerciários e quem levar 1kg de alimento para doar ao projeto Mesa Brasil do Sesc, terão direito a pagar apenas R$ 5,00.
"A renda obtida nos shows ajudará a somar os recursos necessários para gravar um CD coletânea, totalmente produzido aqui na cidade, amadurecendo e incentivando o processo criativo em todos as etapas da produção, tanto das bandas, nas composições e apresentações, como dos profissionais de área de gravação e produção. Todo esse processo fomenta inclusive a economia do setor artístico do Estado, além de produzir um CD que será veículo de divulgação de mais um dos segmentos culturais da música de Roraima", comenta César Augusto, assessor musical do Sesc, um dos organizadores do projeto e membro da banda Veludo Branco.
Esta etapa do Roraima Rock tem o apoio da Shop Som, Contama Contabilidade, Eclipse Revolution e Perin Veículos.

Gilvan Costa
Assessor de Comunicação do Sesc Roraima
(95) 3621-3937 / 9971-8132 / 9972-9220




RODA VIVA

Tomou o último gole de sua latinha, preparou o cachimbo e se despediu da vida por alguns instantes. Bateu com a cabeça várias vezes no chão. Lutou para se manter ainda ligado à esta vida. Cegueira total. Abriu os olhos saltados e sorriu. Conseguiu outra dose com o traficante, na esquina e desapareceu. Quando se tocou, tava em posição fetal na beira da calçada. Os carros voavam deixando ondas de água no ar. Um banho matinal gelado e fedido. Sentou-se à beira da calçada. Pegou seu cachimbo vazio, entortado e chorou. Parou ao lado de um lanche, tirou seus instrumentos de trabalho e foi à luta. Manteve no ar, ao mesmo tempo, seis bolinhas. Caminhou. Dançou. Vendeu seu trabalho. Além dos aplausos, que não pagam uma verdura na feira, conseguiu uma nota de dez reais. Levantou-se agitado e desceu a rua sem olhar para trás. Atravessou a praça. Sentou-se em baixo do viaduto e esperou. Em pouco tempo apareceu um figura perturbado e lhe entrou uma pedra. Subiu o viaduto. Pendurou-se nas vigas debaixo. Foi para seu esconderijo preferido e encostou-se. Acendeu. Pairou. Escorregou de bobeira e se esburrachou no chão. O cachimbo à salvo nas mãos apertadas. Rastejou-se de volta ao viaduto e esperou. Esperou. Esperou.



PRA QUE REMÉDIO?

Abriu o resto de seu guarda-chuva e caiu na tempestade. Tentou se proteger de todas as formas, mas sabia que não chegaria em tempo ao seu destino. A chuva derrubaria toda a resistência de seu objeto estragado. Foi assim, com os pés em diversas poças, todo enlameado, a calça comprida encharcada e a blusa molhada pelos respingos da chuva, que deu entrada no Pronto Socorro do bairro. Estava com a perna engessada e o braço direito pendurado à uma tipóia. Sentia dores horríveis e precisava de um analgésico com muita urgência. Não tinha dinheiro e a farmácia do hospital era a sua salvação. Entrou na fila. Manteve a cara de dor na face. Tentou sensibilizar a atendente para que fosse logo atendido. Mas foi em vão. Assistiu ao Vale a pena ver de novo até o fim. Cochilou. Lanchou banana frita com suco de cupuaçu. Mistura bombástica. Estacionou o traseiro na privada imunda do hospital. Demorou. Colocou os intestinos para fora. Saiu aliviado e flutuando. Dirigiu-se à atendente para saber a sua vez. Marcou no ponto. O colocaram para o final da fila, pois já haviam chamado seu nome enquanto estava cagando. Argumentou sem resultado. A perversa funcionária apenas sorriu. Ele não se conteve. Deu uma gessada na sua cabeça. Rachou a moleira da mulher. Foi agarrado pelos seguranças e por ter oferecido resistência, acabou com o outro braço e a outra perna quebrados.
Abriu o resto de seu guarda-chuva e caiu na tempestade. Arrastava sua cadeira de rodas desesperado de dor. Precisava de um analgésico com muita urgência. Entrou no Pronto Socorro e bateu de frente com a atendente. Foi rebocado pelos seguranças até o único cemitério do bairro. Sem dor.




terça-feira, 17 de junho de 2008

UM PEDAÇO DA VIDA DE ALGUÉM

- (alterada) você tá pensando que eu sou algum saco de porra? Eu não quero mais essa situação. Cara, já percebeu que a gente só se encontra pra trepar? Nem mais pelos corredores a gente se cumprimenta. Mas na hora do tesão, rola o maior diálogo...
- (todo explicativo nos gestos) o que você quer que eu faça? Já te disse que eu não tô preparado pra isso.
- mas a gente já tá nessa trepação faz mais de um ano. Preparado? Tá querendo receber algum diploma ou certificado de garantia?
- (berra mais alto que ela) sem ironias!
- vai levantar a voz agora?! Aderiu ao escândalo, beleza, vamos lá que eu sou muito boa nisso!
(pra todo mundo ouvir) Aí, esse mané aqui só me liga quando quer me comer!
- chega!

- não tá preparado...
- já foi, vamos!
- você é igualzinho a todos os homens!
Ele dá uma bofetada na sua cara. Ela vê estrelinhas. Ele soca o volante do carro enfurecido. Ela pula em seu pescoço e tasca-lhe um beijo agarrado. Meio sem jeito, ele fecha os vidros do carro. E trepam até o amanhecer.






AMOR CLICHÊ

Apareceu na concentração completamente bêbado e atrasado. O Diretor de Bateria só olhou. Abriu a torneira enferrujada do banheiro e molhou a cara encharcada. Enxugou-se com o restinho do papel higiênco e saiu. Pegou seu tarol e pediu uma gelada no bar. Acalmou-se. Ainda deu tempo até para azarar uma preta gostosa. Mulher do Diretor de Bateria. Sapecou-lhe um beijo. A casa caiu. Acordou meio zonzo com um cara pesado em cima de sua barriga, só deslanchando de mão fechada. Sentiu gosto de sangue na boca. A mulher não parava de berrar. Tumulto geral. O cara não desgrudava. E a bateria, na intenção de acalmar ou distrair, começou a tocar. Arrancaram o cara. Ficou só um corpo torto espalhado no chão. A mulher chorava como uma criança. O marido a pegou pelo braço. Ela arrastou junto uma garrafa de cerveja e a destruiu em sua cabeça. Espatifou vidro igual granada em campo de batalha. A bateria parou. Ela se aproximou dos pedaços, ajoelhou e juntou tudo dentro do seu coração.





CIDADE DAS CEM CÚPULAS

Subiu a ladeira na primeira hora iluminada do dia. Olhou a cidade adormecida. Poucas luzes ainda necessárias. Colocou o boné para trás. Acendeu um canceroso. E fumou. Sentou-se no seu carrinho de rolimã e o aqueceu para frente e para trás. MP3 agitado na orelha. Jogou a guimba longe com um peteleco e apenas observou o rastro de sua fumaça. Lembrou do fim com sua namorada.
- se quer ir a exposição daquela piranha, não precisa nem bater na porta de volta!
Aumentou o som. Firmou o boné. E despencou com tudo no tapete neurótico. Seus ossos se separavam a cada curva. A cabeça pesava. As mãos agarradas ao seu carrinho. As pernas eram as mais exigidas. Davam a direção. Chegou a curva do skatista sem braço. Seu coração quase pediu para voltar. Desejo impossível até para algum gênio da lâmpada. Jogou seu corpo para o outro lado, fez um contra-peso, rezou, berrou. Capotou quinze vezes até o barranco em que foi encontrado na noite do dia seguinte. Morto.




segunda-feira, 16 de junho de 2008


Mais de 10.000 acessos.
Valeu pessoal.
Abração






SOMBRAS

Não parou de digitar naquela tarde ensolarada. As idéias borbulhavam como larvas no vulcão. Escreveu três capítulos em menos de quatro horas. Em silêncio. A calmaria do espaço o transportou para uma última dimensão. Do seu lado apenas papel, café, cigarros e uma garrafa de uísque paraguaio. Presente de sua bisavó. A vida toda enganou o bisneto, não iria ser honesta com a bebida. Misturou tudo. Eram coquetéis molotov a toda hora. A sala empestiada da fumaça tóxica do cigarro. Nada poderia lhe tirar aquela concentração. A tela branca do computador o espreitava e ele morria de medo de sua solidão. Levantou-se. Abriu a porta. Não aguentou a pressão. Imaginação. Voltou à máquina e trabalhou sem parar. Dois menininhos se aproximaram da porta. Um negro e um indígena. Tinham a mesma altura. E o mesmo olhar curioso e ameaçador de todo menino. O escritor observou a situação. Não parou de digitar. Os meninos deram uma passo para dentro. O escritor continuou lá, fingiu que não estava percebendo para não estragar o plano dos dois. Achou que eles já iam embora. Começou a tropeçar nas letras erradas. Os textos já saíam esquisitos. Passou a não entender o que estava escrito. Sentiu que tinha muita vibração no local. Quando percebeu, os meninos estavam ao seu lado, preparados para desovar a primeira pergunta. Colocou os dois para correr. Enfiou a garrafa na boca e desligou o computador.



CHÁ DAS SEIS E NOVE

Foi para o mato dar comida aos seus animais. Trazia consigo uma sacola enorme com variados alimentos, inclusive o seu. Ficou no meio do terreno e vários animais preguiçosos se aproximaram. Bichos lentos. No ritmo PinkFloyd. Uma diversidade de espécies. Pegou sua cenoura e recostou-se à beira de uma mangueira gostosa. Comeu uma, duas... várias cenouras. Acreditava na potência dos coelhos. Viu seus animais satisfeitos e sedentos. Caminhou até próximo ao celeiro, sempre com aquela caravana de bichos nas suas costas. Lentos. Ficou diante de uma invenção maluca, enorme, com uma bacia gigantesca e fervente no alto. Protegeu-se e puxou uma alavanca. Um chá cheiroso caiu em um cano comprido e foi distribuído em várias canaletas. Os animais beberam até acabar. Secou. O homem segurava sua xícara de chá. O mesmo que foi dado aos animais. Os bichos tropeçavam. Rolavam, assim... do nada. Alguns quase falavam. O homem gargalhou sem controle. Virou o restante do chá. E foi se juntar à coreografia desajeitada e desordenada dos seus animais.




HOMENAGEM AO SURFISTA CALHORDA

Estacionou seu pequeno fusquinha amassado num pequeno espaço entre duas caminhonetes. Saiu pelo teto solar. Olhou para o mar e avistou altas ondas. Poucos surfistas na água. A areia lotada de gente. Todos com muito medo da ressaca de Janeiro. Minúsculos homens desmaiados arremessados de volta à areia. O mar competia por si. Desamarrou sua prancha rachada e se mandou do calçadão. A cada passo que andava, ouvia o povo comentar.
- olha, lá, é o madeira!
- é mesmo, irmão, acho que o minhoca do madeira vai cair!
- ele disse que era a despedida de sua madeira rachada!
E assim foi, até que ele chegasse na beira da água. Repousou a prancha, que já tinha idade, muitos campeonatos vencidos e muitos mares alucinantes nas costas. Sentou-se. E foi se alongar. O mar estava gigante. Até para molhar os pés era arriscado. Nenhum homem havia conseguido entrar, pegar uma onda e voltar para praia. Eles nem conseguiam chegar na arrebentação, o que dirá descer em alguma nervosa daquela. Ele levantou-se. Em sua volta o tumulto já se formava. Olhou para o mar. Olhou para as pedras. Agarrou sua prancha e foi caminhar até elas. Ninguém entendeu. Pensavam que ele estava fugindo. Ele subiu sem pressa alguma. Acariciando-as. Chegou ao topo da maior e se atirou lá de cima. Um mergulho em pé. Lado a lado com sua guerreira. Se espatifaram na água. O mar agitado. Não dava para ter muita orientação, e ele precisava se afastar da parede de pedras ao seu redor e torcer para que nenhuma onda o arremessasse contra elas. Pulou em cima de sua prancha e remou desgastantementedesgastantementedesgastantementedesgastantemente até parar. Já estava no pico da sequência e sabia que com a próxima viriam mais nove à seguir. Não podia perder a chance. O vergalhão se aproximou. Ele remou até o cúme. Despencou lá de cima. Um vertical sem direito a oxigênio e com muita chuveirada na cara. Até clarear e o equilíbrio conduzir um pouquinho. Velocidade. Adrenalina. Paraíso na água. Entubou. Na areia o povo se deseperava com o sumiço do madeira. Levou um tempo desaparecido até ser regorgitado pelo mar, com muita classe. Cut back daqui, Aéreo dali, e assim chegou ao final. Saiu do mar em silêncio. Cavou um buraco e enterrou sua prancha. Falou em um idioma nativo qualquer e saiu com seu fusquinha arrastado a dois carros. Não tinha forças para chegar em casa sozinho.






domingo, 15 de junho de 2008

SALVADOR DALÍ III


Completou com uísque seu último gole de café requentado e já frio. Bebeu de uma só vez. Nem fez cara feia. Até porque não tinha uma outra. Pegou as chaves de casa, a capa de chuva e colocou Helena nos braços. Bateu a porta. Dirigiu-se ao elevador e esperou. Demorou. Acendeu um canceroso. Demorou. Acariciou Helena. Resolveu descer as escadas. Oito andares. Isso não seria um problema se não estivesse acompanhado. Era pesada demais. Quando estavam atracados, parados, a coisa rolava que era uma beleza. Helena gemia barulhos infernais. Deixava qualquer um enlouquecido. Era tudo que precisava na vida. Não podia viver sem ela. Depois de muito sufoco e cuidado para não machucá-la, ganhou a rua. Acenou para um táxi. Nada. E outro. E nada. As horas não brincavam. Eles não podiam perder aquele trabalho. E não perderam. A casa lotada. Gente caindo pelo ladrão. O ambiente tomado pela fumaça dos cigarros. Parecia que todos os fumantes resolveram ir ao mesmo local aquela noite. Ele e Helena dirigiram-se ao palco. A banda já estava por lá. Ele despiu Helena. Apoiou-a em suas pernas, que ficaram aquecidas. E meteu a vara ali mesmo. Ela gemeu sem reclamar e levou a platéia ao êxtase total. Chegou em casa pela manhã. Bebaço. Jogou seu violoncelo, a Helena, na cama. Empurrou alguns comprimidos goela abaixo e caiu pregado no chão. Quase apagou como a linda Monroe.




SALVADOR DALÍ II


Levantou a cabeça irritado com toda aquela demora. Observou que os outros ainda mantinham as suas abaixadas. Respeito. E medo, pois ninguém queria ser repreendido e passar o resto do dia com fome. Mas ele já não aguentava. Sempre o mesmo ritual. Abaixar a cabeça e esperar. Não. Estava decidido a tomar uma atitude para mudar aquele fato. Chamou o seu superior como se ele fosse o seu subalterno. Exigiu uma providência. Inflamou todo o refeitório com palavras de incitação. Mas as cabeças continuaram abaixadas. Os pratos foram servidos. Menos o dele. Durante a refeição ninguém teve a coragem de olhar na sua cara. Todos já sabiam do seu triste fim. Levantaram-se e em fila se recolheram aos seus aposentos. Ele ficou lá. Somente com os guardas. Passou a noite no alto de um morro pregado em uma cruz. Virou lenda.



ORLA - 14/06/2008

Renildo Araújo, Renato Barbosa, Cora Rufino, Francisco Alves.
FOTO - Ivan Andrade

Foi a penúltima apresentação. A Orla tava super vazia devido ao Arraial. Não dá pra disputar com este evento em Boa Vista. Mas tivemos público. E eles curtiram bastante a apresentação. O elenco tava super animado e com o maior gás. É um grupo muito especial. Semana que vem, 21/06, estaremos encerrando a temporada na capital. Praça das Águas, às 20h. Depois vamos para o interior do estado, Rorainópoilis, São João da Baliza e Iracema. Como amadurecemos e nos fortalecemos com esse processo de trabalho. É isso, vamos produzir mais. Cuidar muito bem de nossas vidas. Até lá.



sábado, 14 de junho de 2008

SALVADOR DALÍ I



Em madrugadas de tempestades eles conseguiam muito mais peixes. Eram jogados para fora d'água e aterrisavam bem nas redes dos pescadores. Não tinham como desviarem. Em compensação, os riscos eram maiores. Pelo menos um por noite não voltava para aquecer sua mulher. Contagem regressiva de gênero. Inevitável extinção. Todas as manhãs, cada janela apresentava a sua coitada. Olhar perdido no horizonte. As tarefas domésticas deixadas pra trás. Um Beckett sem Godot. As horas faziam sua parte, massacravam a infeliz. À distância todo movimento na água era esperança. O desconforto não aceitável por elas, era sentido no cair da noite vazia. Vista de longe, a imagem chocava. Quase que orquestrados, os corpos eram arremessados janela abaixo. Uma melodia pesada, encharcada e sem público. Contagem regressiva de gênero. Inevitável extinção. E assim os dias passavam. E na outra madrugada, tudo de novo. O número de habitantes na cidade foi reduzido. Crianças. Só crianças. Totalmente despreparadas para a vida. Não sabiam nem como se alimentar. Algumas de colo ainda. Canibalismo infantil. Sobrou apenas um casal. Irmãos. Gêmeos. Passaram a viver de folhas e frutos. Cresceram. Treparam. E numa madrugada de tempestade, o homem foi pescar. Ela ficou lá, até o cair da noite. Até o cair.





sexta-feira, 13 de junho de 2008

MICHELANGELO V



Entrou com cuidado e com muito medo até de arranhar o chão com seus pés. Carregava uma mochila e trazia nas mãos um bloco. Grande. E um lápis de ponta pronta. Ficou no primeiro passo. Congelado. Não sabia nem em que direção olhar. Não sabia por onde iria começar. Baixar da internet a imagem e copiá-la para o papel era moleza. Agora, invadir a Capela Sistina, com atitudes de ladrão de obras de arte, e reproduzir a tela, ao vivo, era muito mais punk. Entrou à tarde com um grupo de turistas alemãs. Não entendia nada do que eles diziam. O guia desistiu de lhe dar atenção. Só sabia a sua língua materna. Em um momento de distração, se escondeu dentro de um móvel do séc. IX. Ficou ali durante quatorze horas. Foi preparado para tudo. Pringle's e uísque pelo canudinho. Quando percebeu o silêncio, a hora adiantada, saiu. Nem sinal da segurança. Deitou-se no chão. Suspendeu o bloco. E não parou mais de rabiscar. Fez um. Dois. Três... Espalhou por todo o ambiente e voltou para dentro da antiguidade. Trouxe consigo apenas um. Era a prova de que havia estado ali. Continuou a beber. As horas aceleraram. Ficou trêbado. Não ligava mais para o canudinho. Apoiou a garrafa de uísque no colo e cochilou. Chegou ao café da esquina de casa todo sorridente. Seus amigos da escola de arte não acreditavam que ele havia conseguido realizar tal façanha. Reproduzir Michelangelo ao vivo, era simplesmente tudo. Sentou-se tranquilamente. Pediu um expresso. Acendeu um cigarro. Baforou sem humildade na cara de todo mundo.
- E aí, porra! Cadê a reprodução? Falou uma nerd fissurada na imagem. Ele calmamente deu um gole no café. Enxugou os lábios. E sem tirar os olhos do grupo, retirou de dentro de sua mochila o bloco tão esperado. Gargalhadas e mais gargalhadas ao invés do tradicional vocêéomaiorfodão. Ele não entendeu. Colocou o bloco em cima da mesa. Apenas uma mancha com a forma de uma garrafa de uísque por sobre o papel. Levantou-se de fininho. Foi ao balcão. Só queria uma dose pesada.





MICHELANGELO IV


Não contava com a chegada inesperada do Rei. Os enormes portões se abriram e em seguida o salão ficou tomado de súditos e de todo aquele aparato aviadado da realeza. Tentou ficar camuflado. Se esquivou. Mas sabia que sua hora estava para chegar. Nunca havia faltado com um prazo. Nunca deixou de apresentar as contas. Trazia tudo calculado nos mínimos detalhes. Mas desta vez o destino lhe pregou uma peça. Quando deitou na noite anterior, seus filhos jogavam xadrez com os moleques na porta. Um dos pivetes achou que estava sendo passado para trás. Logo a porradaria tomou conta da rua. Outros moleques se aproximaram e foi a maior gritaria. Todos queriam ver sangue. Eram criados para a luta. Não podiam querer ver outra coisa. Seu filho levou um diretão no meio da cara. Caiu para trás atordoado. As imagens ficaram desajeitadas na retina. Levantou-se cambaleando. Entrou em casa às pressas. Pegou a primeira coisa pesada que encontrou. Precisava derrubar seu oponente, ou ficaria desmoralizado, sem utilidade para as futuras batalhas. Seu pai havia deixado sua pedra de anotações contábeis reais em cima da mureta da sala. Ele nem viu o que estava escrito. Apropriou-se do objeto. Transformou-o em uma arma letal e o espatifou na cabeça distraída de sua vítima. De manhã, seu pai procurou sem respostas a pedra perdida. Era o dia da prestação de contas. O Rei levantou a mão direita. O homem começou a gaguejar suas satisfações contábeis, mas o Rei desconfiou que havia algo errado. Apontou para a chão. O homem se aproximou e, sem palavras, apenas mostrou uma pedra qualquer. Os leões se alimentaram tanto, até o cú fazer bico.





MICHELANGELO III



Já não aguentava mais as madrugadas invadidas. Não conseguia parar de teclar sua velha máquina. O som de folhas arrancadas e os ruídos do seu arremesso o torturavam demais. Necessitava encontrar depressa o gancho certo. Não queria voltar ao mesmo ponto novamente. Nunca fazia isso. Sempre em frente. Abriu o garrafão de vinho, completou a caneca e tomou numa golada só. Arrotou. Olhou para a máquina desafiadoramente. Bebeu outra caneca completamente transbordada. Partiu para dentro. E tecla. E tecla. E tecla. E branco. E branco. E branco. E agonia. E solidão. E um grito doloroso em silêncio. Afastou-se sem forças. Sacolejou o garrafão e o entornou goela abaixo. Era vinho por todo o corpo. Caiu no chão de cansaço. Apagou. Só mesmo uma santa para arrancá-lo do fundo de seus pensamentos confusos. Ressuscitou com um best sellers sobre culinária congelada.


MICHELANGELO II

Foi uma correria na feira do vilarejo. As pessoas angustiadas sem saber que direção tomar. Gritos. Muitos gritos sem socorro. Um magricela se esgueirava de todos os obstáculos encontrados pela frente. Sua meta precisava ser alcançada. O final da feira. Dali, dobraria a próxima esquina e cairia pelo mundo. Já era. Sábado era um tormento. Dia em que todos aproveitavam a folga na colheita e tratavam de dar um trato em suas vidas domésticas e sociais. O povo vivia da terra. A moeda de troca era o fruto de seu próprio suor. Alimentos, objetos e qualquer outra coisa que pudesse beneficiar algum indivíduo. Roubar era ato imperdoável. Mas também não deixava de ser um desafio para aqueles que viviam à margem da sociedade. O último ladrão perdeu a cabeça com tanta facilidade para roubar. Literalmente. E o magricela continuou na função. Estava bem próximo. Sabia muito bem o que poderia lhe acontecer se fosse pego. Estava disposto a tudo. No seu caso, como era uma quantidade pequena, arrancariam apenas uma de suas mãos. Não queria outro incentivo melhor para continuar seu fuga desesperada. Eles até toleravam que uma vez ou outra, alimento ou qualquer objeto fosse roubado. Davam um jeito de abafar o caso. Era melhor manter a marca de roubos mais graves bem distante dali. O corredor ilegal tropeçou num saco de batatas. Tocou o céu de raspão. Deixou a cara estatelada no chão e desapareceu embaixo dos corpos. Por pouco não foi linchado. Foi à julgamento em praça pública. De um lado um juiz improvisado, o vendedor de cebolas . Do outro, o réu, com a mão em cima de um tronco avermelhado e o carrasco. Também improvisado, o cara do alho. O carrasco levanta o fruto do roubo. Um punhado de erva. A multidão enlouquece raivosamente. Palavrões. Berros. Coisas jogadas no réu. Apesar de pouca quantidade, a erva era sagrada naquele vilarejo. As famílias formavam um imenso círculo e fumavam até altas horas para espantar os espíritos negativos da redondeza. Todas as noites o mesmo ritual. Era o segredo da prosperidade. Levantou a mão piedosamente. Acompanhou a trajetória do sangue jorrado. Tentou esticar o braço para o resgate, mas não teve controle de seus movimentos. Morreu de dor. Era frágil demais para isso.





quinta-feira, 12 de junho de 2008

MICHELANGELO I



Chegou no horário combinado. Olhou por detrás das árvores e não viu ninguém. Foi surpreendida pelas costas com um abraço bem apertado. Reconheceu a pressão do seu amante. Virou-se. Sorriu. Beijaram-se. Momento difícil que não podia ser desperdiçado. Acariciou o membro de seu amante com altas doses de saudade. A aspereza das mãos do parceiro eriçaram até o último fio de pêlo do seu corpo. Estava completamente entregue. Agaixou-se entre as folhagens em busca do manjar dos Deuses. Seu amante vigiou. Concordou alegremente. Ela segurou-o. Abriu a boca com imensa satisfação. A tranquilidade estuprada por ruídos vindos de uma árvore ao lado. Sua irmã, que era uma cobra de uma invejosa, queria participar daquela sacanagem. Foi excluída pelo amante. Berrou ameaças que poderiam fazer com que os dois fossem expulsos para sempre do vilarejo. O amante convenceu sua amada de que eles não tinham outra saída. Ela permitiu. Mas queria ser a primeira. Caiu com a boca sedenta e com os olhos fechados levou uma pedrada no meio da cabeça. Trincou os dentes. O amante gritou. Conseguiu tirar o seu membro danificado. Estendeu a mão. Recebeu um saco de moedas da irmã da defunta. E saiu sem olhar para trás.







BOTERO V


Batidas descompassadas interromperam o silêncio da madrugada. Três horas. Morava numa rua sem saída. No topo. Era a última casa. Ao lado de uma escola depredada e abandonada. Acendeu o abajur. Não era sonho. Colocou um casaco e olhou na fresta da cortina do quarto. Escuridão total. Com o gerador desligado só era possível seguir com a luz da lua e dos vaga-lumes agitados. As batidas continuaram. Olhou para a casa dos vizinhos e não viu ninguém. Mas sabia que as frestas das cortinas estavam cheias de olhos naquele instante. Medrosos. Resolveu descer. As batidas eram enlouquecedoras. Abriu a porta devagar. Olhou pelos cantos. Viu uma figura transtornada, afogada em lágrimas. Ficou imóvel. A mulher começou a falar com a língua enrolada. Um desafio para qualquer pesquisador de lingüística da terra. Era impossível. Ela tentou descobrir o que a desesperada queria, mas era interrompida pela fala enrolada, chorosa e alucinada daquela mulher.
- a senhora quer um copo d'água? O que foi, quer que eu chame a polícia? Terminou de oferecer e em seguida a mulher arregalou os olhos e ela entendeu que a polícia não deveria ser uma boa idéia. A mulher segurou em suas mãos e com piedade continuou a emitir sons e palavras esquisitas.
- pop..por..fav..favr...fav..or... tentou em vão se comunicar. A dona da casa já não sabia mais o que fazer. Encostou a porta. Foi até a mesinha da sala. Pegou uma nota de dez reais e retornou. A mulher chorosa repetia a mesma fala esquisita. Sua ouvinte da madrugada lhe estendeu a nota. A mulher enxugou as lágrimas. Pegou-a. Sentou na calçada. Tirou de dentro do vestido um saco. Despejou tudo nas mãos. Enrolou a nota de dez reais e a usou como canudo para cheira todo o pó. Levantou-se agitada. Devolveu a nota.
-brigadão! Valeu! Na moral! Disse e saiu descendo a rua quase rolando com suas pernas descontroladas.








BOTERO IV



Mona era um traveco invocado. Fazia ponto embaixo dos Arcos da Lapa. Já passava dos 40. Perdeu a graça de contar a idade. Era o tipo da coisa que nunca iria surpreendê-la. Depois de anos de penetrações e caras de paus diferentes, resolveu que já era hora de faturar com as bichinhas feiosas e novatas. Tomou conta do pedaço após a morte da traveca-mor, que apareceu retalhada dentro de um terreno baldio bem próximo dali. A crueldade nem foi contestada. Não havia sindicatos. A polícia vizinha tinha o seu garantido no fim de cada mês. Não importava quem pagava. Só não podia faltar. Mona fundou uma ONG. Acreditava que fazia o social. Agia de várias frentes. Queria mesmo era a verba estrangeira de ONG's desesperadas em salvar o Brasil. As bichinhas entraram na onda dela. Manicure. Corte e costura. Maquiagem. Etiqueta. Ficaram turbinadas. O ponto estourou. Eram as melhores travecas da cidade. Até autor de peça de teatro se inspirou naquele movimento. Ela se sentiu poderosa. Mas a cadeia alimentar não parou. A inveja fez com que Mona fosse expulsa do centrão. Voltou para Dutra. Terminou a vida iniciando adolescentes no buraco de uma vala. Grátis. A Mona, lisa, morreu de sífilis dentro de um barraco emprestado em Duque de Caxias.





BOTERO III




Pegou a mais atraente do salão. Uma gostosa cobiçada por todos os pés de valsa. Ficou prosa com a aceitação. A princípio, pensou apenas em dançar. Sentir aquele corpo formoso e delicado. Mas também nem sabia o que dizer numa situação como aquela. Não era do tipo falastrão. Não tinha as manhas da sedução. Era impulsivo. E isso era um risco que corria sempre. Depois de dado o passo, não tinha mais volta. Improvisava. Os resultados não eram os melhores, mas de cinco formosas, uma lhe rendia uma deliciosa noite de heavy sex. A dama perfumada inverteu os papéis. Não queria voltar para casa sem um macho. Deu uma lambida na ponta da orelha dele. E sussurrou.
- seu peito é tão gostoso. Um travesseiro... acochegou a cabeça carinhosamente. Ele suou frio. Não saber a hora certa de chegar sempre foi um probelma, agora ter que corresponder imediatamente, esse era outro bem pior.
- eu malho, respondeu com uma voz ameaçada, quase em silêncio. Percebeu a merda que havia dito. Malhação... só com o bíceps de tanto levar comida para dentro de sua boca. Ela deu um risinho sacana. E continuou como uma gata no cio. Se esfregava toda. Ele então, tomou coragem e segurou com vontade a bunda de sua parceira.
-ui! Tomou um susto com a atitude do dançarino. Mas adorou a sua pegada.
- vamos tomar um Martini lá em casa? Ela não queria perder mais tempo. O destino estava aí para mostrar que para festejar gol marcado, primeiro era preciso fazer o gol. Sem esperar a resposta do pálido e engasgado acompanhante, ela o arrastou pelo braço porta fora. Dançaram a madrugada inteira em ritmo de bate-estaca.





BOTERO II

Entrou no refeitório agitado. Entrou na fila. Pegou sua bandeja e apenas esperou. Avistou o seu opressor com a concha de feijão nas mãos. Observou cada movimento dele. O grandão também tinha seu foco de atenção. Não queria ser surpreendido. Os guardas estavam atentos. Essa era a pior hora. Dentro das celas muita gente morria, mas era controlável. O controle do refeitório é que não podia ser perdido. Aquele era um território cobiçado. E mesmo sabendo que os presos nunca haviam obtido vitória por ali, em todos os tempos, todo mundo precisava ficar ligado. Mas aquela não foi uma data qualquer. A rotina foi violentada com uma luta de facas entre o cara da fila e o da concha de feijão. O tumulto logo se estabeleceu. O cozinheiro caiu de cara na bacia imunda de feijão. Duas estocadas sem risco de vida. Seu amante tentou se vingar e foi agarrado por três guardas barrigudos e odiosos com a vida. Do outro lado, a torcida já se preparava para invadir o campo adversário. A tropa de choque invadiu o ambiente. Porrada para todos os lados. Os encarcerados sabiam a hora de parar. O espetáculo havia chegado ao fim. Sem aplausos. Somente a cela úmida repleta de solidão.








BOTERO I


- seu desgraçado! Quantas vezes eu já lati que EU NÃO QUERO ESSA RAÇÃO!

- eu prometo que compro a mais cara, eu juro...

- não quero saber. Vou comer essa tua bunda gorda e branca.

- SOCORRO!




POW...PLAFT...TRABLEFT

Entrou na rotatória assustado. Não gostava de dirigir ao meio-dia. Exitou. Lembrou-se do piloto de fórmula 1 na saída dos boxes. Ele sabia que precisava acelerar para enfiar o carro na pista. Não pensou duas vezes. Arriscou. Não escolheu a hora certa. Uma caminhote alucinada veio na sua cola. Ele arrancou o máximo do seu caidinho. Quase bateu na outra pista. Sinal vermelho. Freada brusca. Deu até para ver a cicatriz na testa do motorista da frente pelo retrovisor do próprio. Sofreu com a demora do sinal. Não suportava ficar parado em alguns momentos. Sentiu o caidinho encolher.
- essa porra tá me apertando, se ajeitou no banco, abriu os braços e mexeu os ombros. Sinal verde. Passou a marcha. Morreu. Buzinas estéricas. Acelerações repetidas. E total desespero.
- essa merda tinha que desistir agora? Tentou ligar várias vezes. A bateria nem gemia. Energia zero. Em pouco tempo viu o seu carro parado no meio de uma pista com carros em alta velocidade. Torceu pelo próximo sinal. Mas lembrou-se das buzinas e das acelerações repetidas e resolveu se mandar dali. Sem pensar, abriu a porta do carro. POW...PLAFT...TRABLEFT, a porta decolou. Poderia ter perdido o braço. Por pouco. Olhou para trás e percebeu um intervalo. Se sentiu um surfista na arrebentação. Mergulhou para o outro lado da calçada. Do chão, avistou o caidinho encolhido como um inseto amedrontado. Pegou o celular e teclou o número do reboque. POW...PLAFT...TRABLEFT, um caminhão de melancia atropelou o seu veículo.
- Alô!
- deixa pra lá...




NEM TUDO É O QUE PARECE

Dobrou a esquina, às pressas, e vomitou tudo. Nem escolheu um lugar adequado. Com a mega-sena acumulada, a loteria estava lotada. Olhares de reprovação. Julgamento.
- se eu fosse um idoso, ninguém iria me olhar desse jeito, pensou. Respirou fundo. Vomitou novamente. Não havia tomado café de manhã. Era só água. E muita ânsia. Caminhou até uma padaria. Estava disposto a fazer uma exceção naquele dia. Pediu uma média. Devorou o pão, mas só deu dois goles na bebida. Acendeu um cigarro e saiu. Caminhou pela avenida vazia. Ainda era muito cedo. Passou por um lanche 24 horas e resolveu se sentar e ler. Não resistiu e pediu uma cerveja. Bem gelada. Bebeu e leu vários contos. Fumou bastante. Pediu mais. Pagou com o cartão de crédito. Não tinha um tostão. Depois da sexta garrafa, tomou rumo. Precisava caminhar até sua casa. Mais à frente, parou um Crossfox amarelo e a motorista lhe pediu uma informação.
- é meu caminho, se me der uma carona, vai ficar mais fácil. Topa? mandou assim pra motorista e foi atendido na hora. Entrou no carro. A mulher devia ter uns 19 anos. Estava perdida mesmo. Nunca tinha ido para aquele lado. Ela não era tão bonita, mas vestia um short jeans, justo, uma blusinha baby-look e era muito falante. Ouvia Vai Vadiar, Zeca Pagodinho. Dirigia muito rápido. Ele já estava bem alto. Ainda com ânsia de vômito. Não resistiu. Colocou a cabeça para fora do veículo e mandou a carga embora. Pensou que a garota fosse parar o carro e mandá-lo descer.
- ei, tu tá meio doido, não tá? Disse a menina.
- é. Tô sim. Desde ontem, respondeu ele.
- tá afim de ir lá pra casa? Olha, tem um lance legal lá. Vamos pirar, o que acha? Convidou-o, toda excitada. Ele concordou na hora. Ela tomou a direção dos bairros nobres. Entrou numa rua deserta, afastada e com muitos casarões. Estacionou a máquina. Foi entrando em uma big house. Ele foi atrás. Sempre olhando aquele rabo delicioso. Ela ligou o som. Pegou uma garrafa de uísque no armário e o chamou para perto. Beberam e riram por várias rodadas. Ela não aguentava muita bebida. Ou fingia. Ficou logo alta. Não paravam de falar bobagens. E riram mais ainda. Sem que ele percebesse, ela pulou no seu pescoço. Tascou-lhe um beijo desesperado. Ele, assustado, correspondeu. Se engalfinharam no sofá. Era mão para todos os lados. Muita chupação. As línguas pouco se encontraram, mas percorreram todo o corpo do parceiro. Barulho na porta. Ficaram imóveis. O pau do cara murchou com a apreensão. A menina arregalou os olhos.
- é meu marido! Exclamou e deu um pulo do sofá. Ele não sabia o que fazer. Começou a rir. Talvez nervoso.
-ele é agressivo, vamos, sai lá por trás, ela chamou sua atenção. Ele levantou-se e foi em direção da cozinha, mas já era tarde.
- amorzão! Tô louco de fome, uma voz grave, que só poderia vir de um sujeito avantajado. Ele voltou para o sofá. Fingiu estar tudo bem.
- tô aqui, meu amor, tô com um amigo, sua voz estava insegura. O cara não ia engolir aquela chifrada. Precisava de um plano B. Mas nunca lembrava de sair de casa com um. O marido entrou na sala. Vasculhou todo o ambiente com o olhar. Estava na cara que tinha percebido alguma coisa.
- prepara uma bebida pra mim, amor, disse e sentou-se no sofá.
- então, o que é que tá rolando? Já com a voz mais alta, insistiu em saber da situação.
- nada. Eu apenas estava quase comendo sua mulher, falou sem perceber o que havia dito. Tinha essas tiradas. Depois, já era. O leite já havia derramado.
- eu posso explicar, amorzinho...
- explicar porra nenhuma! Quer dar? Agora ele vai ter que te comer! Vamos, tira logo essa roupa, sua vadia!
O cara levantou-se e foi logo arrancando a roupa de sua mulher. Ela gemia e dizia que não queria, mas foi em vão.
- não precisa ser assim, disse o estranho que foi pego em flagrante.
- cala a boca! Você agora vai comer essa puta bem na minha frente, berrou e arrancou a calcinha de sua mulher. O cara não tinha outra saída. Mesmo nervoso, a situação lhe excitou. O pau já estava enorme. Pronto. Partiu para dentro. Jogou a mulher de costas no sofá. De quatro. E meteu com vontade. Não queria nem pensar o que iria acontecer com ele, só queria meter e aproveitar. Poderia ser sua última foda. O marido abriu a calça e colocou o pau para fora. Sentou-se no canto e se masturbou dentro daquela cena bizarra. Todos gozaram. Em tempos diferentes. Mas gozaram muito gostoso.
- se manda! Disse o marido sem perder tempo. O cara olhou a mulher jogada no sofá. Estranhou. Não perdeu tempo e se mandou. Esqueceu de tomar sua última dose. Voltou. À porta da sala, apenas ouviu.
- e aí, gostou? Disse a mulher abraçada às costas do marido.
- uma delícia, meu amor, foi difícil de trazê-lo pra cá? Respondeu o marido, novamente de pau duro.
- que nada, foi moleza. Até que ele era bonitinho, falou a mulher.
- agora vem cá, sua sem vergonha, gosta de dar pra outro, não é? Agora você vai ver o que é bom pra tosse! O marido a colocou no seu colo. Fuderam deliciosamente. O cara ouviu tudo. Deu uma risada. E saiu sem beber sua última dose.
- filha da puta, me fudeu legal...




PELOS CANTOS

Não tinha muitas amigas. Na escola, todos a olhavam atravessado. Vestia-se diferente. Abusava do preto. Carregava cruzes em bijouterias enormes. Não largava um copo de milkshake do Bob’s. Não estava nem aí para o que falavam dela. Entrava e saía sem falar com ninguém. Quando muito, algumas palavras com a tia da cantina. A coroa não gostava das patricinhas. Gostava do seu estilo arrojado e foda-setodomundo. Na hora do recreio, esperava acabar o tumulto inicial no banheiro. Entrava calmamente quando vazio. Tinha tempo. Curtia a vida livremente, mesmo sabendo das regras impostas pela sociedade. Tentava burlar ao máximo. Existia um grupo de garotos metidos a espertos, que sempre reprovavam, fumavam escondido no banheiro e se aproveitavam das menininhas de séries mais atrasadas. Ela estava na mira daquela turma. No dia da Festa Junina da escola, o colégio todo se concentrou na parte de trás da Instituição. O que deixou a frente e os corredores com todas aquelas salas e banheiros super vazios. Ela não queria se misturar. Foi com seu copo de milkshake para dentro. Escolheu uma sala afastada e sentou-se. No pendrive, ouvia Inocentes. Os espertos sabiam onde encontrá-la. Se aproximaram, sem muito barulho. Observaram a menina no canto da sala. Quieta. Invadiram. Ela continuou na dela. - e aí, maluquinha, o que é que tem pra gente, falou o marombado, com um gorro preto na cabeça.
- vocês querem um pouco? Ofereceu o copo. O menorzinho, mais metido a valente, arrancou logo o copo de suas mãos.
- vai devagar. Não é pra tomar... advertiu a menina. O rapaz deu uma forte sugada no canudo. Nenhum líquido. Apenas um forte cheiro e gosto de cola de sapateiro. Afastou o copo com nojo. Deu para os colegas.
- olha lá, a menina tá na maior pressão...disse o playboy de cabelos lisinhos. E enfiou a boca no canudo. Deu uma risada. Curtiu. Sentaram-se perto da menina. E ficaram ali, viajando aquela onda toda.
- eu preciso ir, disse a menina.
- nada disso, pera aí. Agora vai provar das nossas coisinhas, disse o playboy e colocou para fora um saco. Retirou de dentro uma seringa. Uma colher. Colocou um pó cinza na colher. Abriu um frasquinho de água. O derramou. Aqueceu a mistura obtida com um isqueiro.
- eu não curto essas paradas não, meu irmão, tentou se levantar. Foi impedida por todos.
- nada disso, tu não é maluquinha? Então, agora eu quero ver maluquice de verdade, falou o cara da seringa. Enfiou a seringa no líquido, puxou. Fez a seringa dar uma ejaculada no ar.
- ei cara, não acha que botou demais? Sussurrou uma voz preocupada. Os colegas a seguraram. Amarraram um elástico no braço. A veia saltou de susto. E lhe enfiaram a agulha. Ela sorriu um sorriso normal. Suavemente abaixou a cabeça e teve uma convulsão. Os rapazes, descontrolados, se mandaram. Seu corpo foi encontrado por duas meninas da sexta série. Falaram para a família que ela havia cometido suicídio. Que não tinha agüentado a normalidade da vida. Ela não se encaixava nos padrões. Foi enterrada sem muito alarde. O outro dia teve aula normal. Parecia que ela nunca estudara naquela escola. Tão indiferente como uma caminhada pelo pátio do colégio na hora do recreio.




ANTES DO GALO ACORDAR

Antes do galo acordar. Já estava de pé. Nem se preocupou com a higiene preliminar. Saiu de casa. Abriu o carro. E o ligou. Nada. De novo. Nada. Novamente. Nada. E uma última tentativa. Nada. A luz da bateria já não acendia mais. O carro já não apresentava qualquer sintoma de recuperação. Estava bastante atrasado para seu compromisso. Deixou o carro descansar. Tomou um rápido banho tcheco e foi fazer um carinho no veículo temperamental. Apenas uma flanela suave, macia. Umas três palavrinhas e...o carro voltou a conversar. Abriu sua porta. Ligou Joy Division. Deitou-se no banco de trás. Abaixou o short e se masturbou compulsivamente enquanto o carro ficava super aquecido. Uma possível foda platônica. Dessas, quando a gente encontra aquela mulher e que rola uma atração quase imperceptível e então, um dia resolvemos imaginar uma possível fala para aquele momento.
- eu ainda vou fuder legal com você! Vamos trepar gostoso! Mas isso nunca foi dito. Já arrumado, entrou no carro e foi para o seu encontro. Tudo como manda o figurino e o cenário do espetáculo. Chegou. O vôo ainda não havia chegado. Pensou em ler um pouco na banca dentro do aeroporto.
- ler é o caralho! Vai tomar no cú! Saiu da lojinha de revistas e foi tomar um café. Sentou-se. Avistou um casal de amigos. A mulher o olhou penetradamente. Ele não perdeu tempo. Apertou as mãos do cara e da mulher, sempre repetindo mentalmente a mesma frase.
- eu ainda vou fuder legal com você!Vamos trepar gostoso! Deixou-os em paz e desistiu de tomar café. Pediu um cerveja. Bebeu o dia inteiro no aeroporto. Chegou a noite e nada. Acordou em Manaus numa segunda-feira de manhã. Antes do galo acordar.