sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

TOCA RAUL!



Você pode até dizer que é um assunto batido e coisa e tal, mas ainda acredito que vale um comentário, ou melhor, um grito de socorro. Posso parecer um indivíduo intransigente, que não curto muito a aproximação social, mas veja bem, a verdade é que no fundo eu não aguento mais parar em um posto de gasolina e de repente ser obrigado a ouvir uma música altíssima de um carro com uma caixa de som imensa, dessas potentes de baile. Nada contra a escolha musical do indivíduo, apesar, de nesse caso, eu detestar e muito a trilha sonora que tocava no referido automóvel. Existe uma Lei que me protege! Pelo menos essa é a sua essência romântica na prática, disse um amigo meu outro dia curtindo com a minha cara.
O fato é que eu estou careca de saber que as Leis existem para serem manobradas e nem preciso ser estudante de direito para compreender isso. A vida me ensinou assim. Basta olhar para a realidade política do nosso país. Já foi o tempo em que eu ficava emocionado ao ver uma mulher se derramando em lágrimas, mesmo em Rede Nacional. Por favor, hoje não me comove mais.
Antes de mergulhar no mérito da questão - e nem sei se isso vai acontecer por aqui – insisto nesse assunto somente por curiosidade, talvez, uma forma de desabafo. Encare isto do jeito que preferir. Mas vamos ao ocorrido.
Ontem, ao estacionar minha moto no posto de gasolina do bairro, bem ao lado de um sujeito esquisito dentro de seu carro com um som infernal, ao invés de fazer cara feia - como das outras vezes - resolvi pegar um guardanapo e observar o indivíduo atentamente como se fosse um objeto de pesquisa. Então, comecei a escrever algumas razões possíveis para tal comportamento um tanto quanto invasivo do motorista. E confesso que foi muito mais divertido e menos doloroso de engolir aquele sapo.
A primeira opção, e acho que todo mundo já pensou nisso, é que o cara deve ser insatisfeito com a sua vida sexual. O som desesperadamente alto do seu carro deve ser algum tipo de compensação. Quanto menor a ferramenta, mais alto o volume. E esse era tão alto que cheguei a pensar nos pobres eunucos da vida – será?
Pensei também na infância do coitado. E logo deduzi que ele devia ser aquele moleque imbecil, que sempre ficava no time da próxima rodada quando escolhíamos os garotos para uma pelada no campinho nos fundos da escola. Como eu temia isso na minha época, e por conta desse temor, eu chegava cedo com a minha bola novinha entre os braços. A moçada adorava jogar com uma bola zerada. E eu nem passava na seleção, já estava dentro. Gastei muito dinheiro do meu pai com essa brincadeira.
Imaginei, ainda, o malandro na adolescência, naquela fase beirando os 18. Sem carro, sem moto e como consequência, não devia pegar ninguém. Olhei bem no seu rosto, lógico, sem deixá-lo perceber que eu o encarava, e constatei. Ele tinha todo o jeito de que passou grande parte da sua precoce vida nos cinco contra um - se é que você me entende. Com certeza devia ter muito pêlo na palma da mão, mas eu nem quis investigar essa lenda.
Depois de algumas risadas, um pouco mais relaxado, continuei a lista sem nenhuma piedade do rapaz. Na verdade, já havia abstraído o maldito barulho ensurdecedor do seu veículo e completamente motivado pela minha desenfreada imaginação, mergulhado até o pescoço na tal lista, cheguei à conclusão de que podia se tratar de um caso crônico de surdez. Tentei identificar a linguagem de sinais, em meio à conversa muito gestual do motorista com a sua acompanhante, mas não foi nada revelador. Ouvi dizer que a exposição exagerada do ouvido humano em um caso como este, pode sim provocar a perda temporária ou total da audição. Mas não era o caso.
Por fim, sentado na minha moto e vendo o carro com som infernal indo embora, cheguei à velha máxima: gosto não se discute, lamenta-se. Afirmo o fato sem a menor cerimônia, por mais que você pense se tratar de uma conclusão clichê. E a vida não é isso?
Quando liguei meu veículo e estiquei o pé para passar a marcha, em um susto, estacionou ao meu lado outro carro. Olhei discretamente, atitude normal de quem interage na sociedade, e como se estivesse planejado, como se o sujeito tivesse combinado com o motorista anterior - foi questão de segundos – o carona desceu do carro, um fusquinha amarelo gema de ovo, totalmente fechado com adesivos coloridos variados, abriu o porta malas e em seguida o seu parceiro ligou o rádio. Imediatamente parecia que o baile nunca havia terminado. Foi um choque geral, o povo todo em volta congelou. O motorista estava bastante animado, ensaiando alguns passinhos no ritmo do som altíssimo do seu carro quase alegórico. Eu simplesmente desliguei a moto, conformado, e peguei mais um guardanapo. Pelo volume da música que estraçalhava os ouvidos alheios, a minha lista anterior parecia apenas o começo. E citando aqui outra máxima, eu me animei e gritei: 
- Toca Raul!




Free counter and web stats

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

CARNE HUMANA NA VITRINE



Outro dia comprei uma discussão casca grossa demais. Um amigo do mais alto naipe, super conectado com as novas tecnologias de comunicação e um tarado na rotina Facebook, puxou uma conversa esquisita sobre o Big Brother Brasil. Meteu o pau legal. Não deixou de fora nem mesmo o Bial – e nesse caso, quem deixaria, não é?
Estranhei o diálogo iniciado, pois o parceiro em questão é um tremendo nerd nas discussões. O verdadeiro dono da verdade – assim ele pensa. Mandou o verbo na lata, sem nenhuma provocação. Disparou sua metralhadora para todos os lados e nem se importou com a fisionomia dos que estavam presentes. Olha, quando conversamos é sempre interessante percebermos a feição dos que nos ouvem. Elas podem ser bastante reveladoras.
Não existe uma regra e coisa e tal, mas quando estou em uma roda de conversa com amigos, no mínimo tento perceber se o meu assunto segue em boa direção. Linguagem corporal entende? Depois que exploraram esse quesito preconceituoso nas entrevistas de emprego, menosprezando a possível capacidade do candidato, é preciso ficar atento. Já vi muita gente dançar. Com um simples balanço de cabeça para o lado, na tentativa de espantar um mosquito, o conceito do indivíduo pode ir por água abaixo. Fico imaginando o entrevistador, caladão, com cara de Freud. E o mosquitinho desgraçado zunindo na orelha do entrevistado.
- Hum... balançou a cabeça pra esquerda. Por que não pra direita? Tá reprovado! Esse com certeza é problema...
Depois do meu amigo tanto investir na depreciação do maldito Reality Show, a moçada da roda continuou em silêncio, assim, como se estivesse acabado de passar um anjo. Saquei a cara do povo, tudo fingimento. A impressão que dava era que nem tinham ouvido o colega. Alguns, pela falsa aparência, navegavam em Marte ou Júpiter. Mas ninguém me tira da cabeça que eles estavam de olho na Terra, doidos por uma fofoca virtual daquelas. De qualquer forma, eu não sosseguei e o questionei.
- Ei, fulano – não vou entregar o santo pra não queimar o filme da criatura - não me ligo nessa programação, na verdade, na minha casa não pega esse canal, mas olha só, você falou e eu fiquei pensando aqui, qual a diferença do Big Brother para o Facebook, que tanto você ama?
 O silêncio continuou. Nossos amigos disfarçavam na maior cara dura, como se estivessem voando pela Via Láctea. Eu já tinha sacado que por nada desse mundo entrariam naquele debate. De repente, o falador saltou da cadeira como um cometa.
- Facebook? Mas eu não falei disso. Facebook é Facebook! Uma ferramenta extremamente necessária para qualquer ser humano que deseje estar conectado hoje em dia.
Então eu disse.
- Olha, parceiro, o Big Brother, assim como o Facebook, propõe uma exposição descarada. É carne humana na vitrine. No fundo, tem muita gente disposta a pendurar a sua carne, expor o quanto a sua vida pode ser bacana. Mesmo sabendo que isso é história pra boi dormir.
- E daí? Cada um faz com o seu tempo o que bem entender.
- Concordo. No caso da Rede Social, a gente conecta lá, como quem não quer nada e de repente já era. Estamos mordendo os lábios de raiva diante de tanta declaração otimista, uma publicidade exagerada do quanto que a vida pode ser bela. E como te disse, a vida não é tudo isso...
- E daí? Cada um na sua, não é?
- É o que eu tô dizendo, cidadão. Cada um na sua e todo mundo ligado na vida dos outros. Então, igualzinho ao Big Brother. O Carlinhos mesmo, ontem no Facebook, disse que o pai havia falecido. Logo em seguida, tinha um monte de gente curtindo a situação. Tá legal, Big Brother é careta, mas Facebook é massa?
O parceiro fulano ficou doido, quicou de um lado para o outro, foi um verdadeiro Big Bang. Eu nem sabia o que fazer diante daquela convulsão. Ele gaguejou, ensaiou algumas palavras, mas não conseguiu esboçar nenhum argumento que me convencesse de que eu estava errado. Passou uns segundos e ele se mandou.
Meus amigos se omitiram da discussão, quer dizer, bem no ápice do diálogo fervoroso eles estavam lá, apertando freneticamente seus celulares. Provavelmente estavam colocando a nossa carne na vitrine. Parecia até que nos comandavam pelos seus aparelhos, como num game.
Depois de um tempo, eu me vi sozinho no ponto de ônibus. Somente uma chuva rala me acompanhava. Não passava uma alma pela rua. Saquei meu celular, conectei–me no Facebook e então, sinceramente, dei meus pêsames para o Carlinhos. E imediatamente um bando de gente curtiu aquilo. É ou não é carne humana na vitrine?


Free counter and web stats