quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CONTO DA AMENDOEIRA

Fazia tudo que lhe dava na telha. A casa era um ambiente sagrado. Inegociável. Passava as tardes na sombra da amendoeira, com a mangueira ligada, violão, cigarro e muitas taças de vinho. Trabalhava ali. E desenhava e curtia. E lia. Molhava as bananeiras sedentas e os cabelos compridos. Depois das quatro da tarde, mudava-se para a garagem, ligava o computador e escrevia até altas horas sem parar. Tudo uma maravilha. Isso quando não era incomodado com a fogueira do vizinho. Ele estava cansado de aturar a fogueira pela parte da manhã. Já nem lavava mais suas roupas.
- isso é um absurdo! Reclamava todos os dias. Esse era o único tempo disponível, mas o cheiro da fumaça do lixo do vizinho não era nada agradável dele vestir. Até aí, bacana. Entregou suas manhãs para o vizinho incendiário. Aceitou a acomodação pela goela abaixo. Pelo menos por um tempo.
- duas vezes por dia é sacanagem! Berrou indignado numa tarde. Na metade de Brilho da Noite, que ele mandava no instrumento, o odor da merda queimada invadiu o seu santuário. Ele correu até a mangueira, abriu o tanque do carro e enfiou e sugou, e sugou e espirrou o máximo que pôde no terreno da casa de trás. Quando a senhorinha riscou o fósforo para queimar a próxima remessa, o fogo desesperado alastrou-se por todo o terreno, invadiu a casa e matou a família inteira. Ele sentou-se na pedra embaixo da árvore e continuou a canção do Celso Blues Boy. E bebeu vinho. E fumou. E deixou a água da mangueira escorrer pelo seu corpo. Sem pressa. Era água.










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