domingo, 4 de outubro de 2009

HOMENAGEM AO SURFISTA CALHORDA

Estacionou o pequeno fusquinha amassado num mísero espaço entre duas caminhonetes. Saiu pelo teto solar. Olhou para o mar e avistou altas ondas. Poucos surfistas na água. A areia lotada. Todos com muito medo da ressaca de Janeiro. Minúsculos homens desmaiados arremessados de volta. Mar revoltoso demais. Desamarrou sua prancha rachada e se mandou do calçadão. A cada passo que andava, ouvia o povo sussurrar:
- olha, lá, é o Madeira!
- é mesmo, irmão, acho que o minhoca do Madeira vai cair!
- ele disse que era a despedida da sua rachada!
E assim foi, até que ele chegasse à beira da água. Repousou a prancha, que já tinha idade, muitos campeonatos vencidos e muitos mares alucinantes nas costas. Sentou-se. Alongou-se. O mar gigante assustava até salva-vidas. Molhar os pés era mais do que gesto arriscado. Nenhum homem havia conseguido entrar, pegar uma onda e voltar à praia. Eles nem conseguiam chegar à arrebentação, o que dirá descer em alguma nervosa daquelas. Iniciou o ritual de costume. Em sua volta o tumulto já se formava. Olhou para o mar. Olhou para as pedras. Agarrou sua prancha e caminhou até lá. Ninguém entendeu. Imaginaram uma fuga, sem êxito, mas era apenas coragem na beira da água. Estratégia jamais pensada por outros surfistas. Pulou da pedra maior. Caiu depois da arrebentação, meio sem jeito, quase sem controle da situação. Chegou ao topo da maior e atirou-se sem frescuras. Um mergulho em pé. Lado a lado com sua guerreira. Espatifaram-se na água. Não dava para ter muita orientação. Precisava afastar-se da parede de pedras ao seu redor e torcer para que nenhuma onda o arremessasse contra elas. Pulou em cima de sua prancha e remou desgastantemente até parar. Já estava no pico da seqüência e sabia que com a próxima viriam mais nove. Não podia perder a chance. O vagalhão aproximou-se. Ele remou incessantemente. Foi ao cume. Despencou sem rezas. Sem pedidos de perdão. Cem vezes mais do que jamais sonhara. Chuveirada na cara até clarear. Adrenalina. Entubada na beira do abismo. Paraíso. Na areia, o povo gritava diante do sumiço do Madeira. Levou um tempo engolido, até ser regorgitado aos pedaços. Cut back daqui, Aéreo dali, e assim chegou ao final. Saiu do mar em silêncio. Cavou um buraco e enterrou sua prancha. Ficou ali, sem trocar palavras, somente exausto e com a alma lavada. Saiu com seu fusquinha arrastado a dois carros. Não tinha forças mais forças para separar os espaços.








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