quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O MENINO QUE MORREU SUFOCADO POR PALAVRAS



Não tinha jeito de convencer o menino a jantar no horário. Comia de tudo. E sempre antes da hora. Não era igual aos outros de sua família. Com o menino era sempre o contrário, o ritmo oposto, a leitura do livro pelo final. As palavras sempre tinham um primeiro significado para ele, e deviam ser sempre pronunciadas ao contrário. O verdadeiro centro era o incompreensível do resultado quando ditava palavras de trás para frente. Aquilo o deixava irado. Sabia que significavam alguma coisa e por alguns momentos acreditava fielmente que entendia algo. Vai ver que sim. Vá saber... ficava horas na calçada de casa, atrás do latão de lixo da rua. Sozinho. Clichê? Então você não viu nada, tinha um monte de garrafas vazias jogadas do lado. Mil guimbas. E até um cachorro e três mendigos ou moradores de rua ou eu. Ou até mesmo você! O menino era um fissurado por palavras! Vivia para isso. Ficava fascinado quando conseguia juntar algumas para uma tarde de sossego, aos copos de cerveja e fumo de saco. E muita erva na cabeça. Não parava de pensar. Depois de juntar palavras, o que o menino mais gostava era de mascar chicletes. E ele mascava legal. E ele mascava... também... as figurinhas que vinham estampadas eram palavras coloridas. Diversas. De todas as classes e tipos. Ele comprava um monte de chicletes e se orgulhava disso. Queria porque queria todas as palavras do mundo. E continuou assim, aumentando direto o seu vocabulário. Palavras desconhecidas aos montes. No último fim de semana, o menino comprou uma caixa de chicletes. O das palavras sortidas e sem nexo. Trancou-se no quarto. Empurrou o armário para a porta. Fechou as janelas. Arrastou as cortinas sorrateiro. Foi para debaixo da cama. Desconfiado. A caixa com as palavras agarrada ao seu peito. Rasgou o plástico e enfiou a mão. Mascou quase a caixa toda. Na moral? Sem nenhuma alma por perto. E talvez essa tenha sido a razão de sua tão inesperada e precoce morte. Nenhuma alma por perto. Depois de colocar mais de quatro chicletes na boca e sem conseguir parar de rir de tanta satisfação e gozo, e com a boca lotada, nem percebeu o bolo da gosma escorregando para a entrada da sua goela. Sorriu. tentou sorrir. Fingiu tosse, tosse, tosse. E sacou que estava completamente fudido. Sua história se resumia em alguns míseros pequenos pedaços de segundos. Trancado no seu quarto. Sempre fazia isso. Ninguém se preocupava. Correu para a outra direção. Se debateu roxo. Se contorceu preto. E sufocou em um susto. Não tinha aprendido nenhuma palavra que pudesse acabar com o seu sofrimento ligeiro.






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