- olha lá, é o Madeira!
- é mesmo, irmão, acho que o minhoca do Madeira vai cair!
- ele disse que era a sua despedida! Vai enterrar a madeira rachada!
E assim as bocas falavam. Bocas de curiosos, bocas de espírito de porco e até mesmo bocas avermelhadas e carnudas, loucas para dar um pega legal no carinha da hora. Marcão chegou bem na beira da água, repousou a prancha - que pra muitos já era da idade da pedra - e sentou-se confortavelmente. Alongou-se, como qualquer atleta safo. O mar estava gigante - qualquer imagem perto do fim do mundo era pinto – e ele olhou para trás, cabreiro e viu a moçada, geral, com os olhos arregalados e os lábios mordidos. Não tinha mais volta. Ou ele domava os vagalhões impossíveis, ou então, passaria o resto de seus dias com os dedos dos outros enfurnados em sua cara. Molhou os pés – cautelosamente – e sentiu uma leve tapa da brisa que vinha do mar. Arrepiou até o último fio do cabelo. Nenhum surfista havia conseguido entrar, pegar uma onda inteira e voltar para praia – como disse antes, eles eram arremessados como cuspe desengonçado que vara sem destino pelo ar – ninguém conseguia finalizar uma onda. O mar decididamente não estava para peixes – o que dirá pra surfistas calhordas – mas o Marcão era o cara. Ele tinha o gérmen da insanidade correndo enlouquecidamente pelas suas veias. Para ele não tinha tempo ruim. O povo na areia não parava de comentar.
- ele não vai conseguir...
- tá fudido! Chama logo a emergência!
Ele percebeu o burburinho. Estava mais do que decidido. Enfiou o estrepe no pé direito, caminhou em direção à água e caiu de cara no mar nervoso. Por alguns instantes, desapareceu. Ninguém entendeu nada. Era só espuma e pancadas violentas na arrebentação. O silêncio imperou – eu vi gente chorando, pode acreditar, eu tava lá – e sem que ninguém percebesse, depois da última série avassaladora, o Marconha despencou de 90 pés enfurecidos – são 30 metros maluco! – e veio cheio de marra, berrando a música do Michel Teló, com os braços abertos como no Titanic, cortando todas as possibilidades de erros, entubando radicalmente, chegando bem na beirinha e saltando da prancha como se fosse brincadeira de criança. Na areia o povo urrava de felicidade, mas sua saída do mar foi em silêncio, estufada de moral. Ele cavou um buraco, enterrou sua prancha, fez uma rápida oração – despedida - e caminhou para o estacionamento. Entrou no fusquinha pelo teto solar e depois de muito amassar as caminhonetes, saiu cantando o pneu. Bateu de frente no cruzamento da Mavericks com a Jaws, em um imenso caminhão de cerveja. Perda total do veículo. Marcão Marconha morreu.

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