quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O MENINO QUE MORREU SUFOCADO COM AS PALAVRAS

Não tinha jeito de convencer o menino a jantar no horário. Leon comia de tudo durante o dia e sempre da maneira mais descontrolada possível. Já levantava da cama, pela manhã, mastigando o vento. Se escovasse os dentes sem a supervisão de um adulto, comia todo o tubo da pasta. E se alguém reclamasse com ele, saía enfurecido resmungando pela casa com a boca toda esverdeada. Os pais cortavam um dobrado com o apetite insaciável do pivete. Ele não era igual aos outros moleques da rua. Queria tudo ao inverso, o ritmo oposto, a leitura do livro pelo final. Só existia uma coisa capaz de satisfazer - ou melhor, de disfarçar - o apetite voraz do garoto. As palavras lhe causavam um encantamento quase que paralisante. Diante delas, ele pendurava o tempo no varal. Quando passeava pelas ruas do bairro, devorava os anúncios das vitrines e dos outdoors, fazia questão de guardar todos os folhetinhos de propagandas que eram distribuídos aos montes no comércio que ficava no final de sua rua. E tudo que lia ele repetia em voz alta. Absorvia ao máximo os novos significados que a vida lhe apresentava. Isso tudo seria considerado normal, se não fosse o verdadeiro fascínio inexplicável que o menino tinha em ler as palavras pelo lado contrário. Acreditava que o verdadeiro significado estava lá, da direita para a esquerda – e falo aqui de um pirralho de apenas 10 anos, que criou uma língua paralela. Quando pensamos que atingimos o limite, a vida nos surpreende com a possibilidade da dor de cabeça ser bem maior do que imaginávamos – um comportamento esquisito que deixava os pais de Leon intrigados, uma língua que só ele entendia. Certo dia, em um desses inofensivos passeios pelas ruas do bairro com a sua família, o garoto conseguiu ler um anúncio do lançamento da nova sensação dos chicletes WORDS – vocês podem até imaginar que o Leon sendo um tremendo fominha, deve ter perturbado os pais para adquirir alguns - mas esses chicletes não eram como os outros que traziam, em sua maioria, figurinhas para serem colecionadas. Esses traziam palavras coloridas. A cada chiclete comprado o indivíduo recebia uma palavra e assim ele ia formando frases e mais frases. O moleque só parou de repetir a palavra SDROW quando conseguiu que seus pais comprassem 10 caixas para ele – eram 200 chicletes por caixa – ele ficou extasiado e fez questão de carregar várias, sozinho. Queria de qualquer maneira saber todas as palavras do mundo. Entrou em casa como um trem desgovernado, derrubando tudo que via pela frente. Foi direto para o seu quarto, trancou-se, empurrou o armário para a porta, fechou as janelas e arrastou as cortinas. Enfiou-se debaixo da cama. Mantinha uma caixa de chicletes agarrada ao seu peito e algumas outras espalhadas pelo chão. Rasgou o plástico e enfiou a mão com vontade - não havia nenhum adulto por perto e aquela leve sensação de liberdade o fez mastigar um número exagerado de chicletes ao mesmo tempo -. Estava extremamente feliz. Mastigava e juntava palavras. Depois de colocar um monte de chicletes em sua boca e sem conseguir parar de rir de tanta satisfação e gozo, o menino percebeu o bolo da gosma doce que escorregava para a entrada da sua goela. Tentou reverter o processo, mas já era tarde. Um pedaço imenso de chiclete alojou-se em sua garganta. O menino tentou sorrir um sorriso desesperado. Tentou tossir uma tosse forçada. Tentou falar, mas já não tinha forças para articular. O ar já não passava. Debateu-se roxo, contorceu-se ao limite e sufocou em um susto. Nenhuma palavra bastava.


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