quarta-feira, 8 de julho de 2009

NOVA YORK É MUITO DISTANTE DAQUI

(Toca o telefone).
CARLOS – Logo agora... (Ele deixa entrar a secretária eletrônica, quando ouve a voz da Gilda, corre para atender).
SECRETÁRIA EM OFF – Aqui quem tá falando é o Carlos, no momento eu não posso atender. Deixe o seu recado após o Bip.
GILDA – Cacá sou eu... atende... tudo bem eu ligo mais tarde.
CARLOS – Alô...Alô, Gilda... não acredito... tava pensando em você... Já tá tudo pronto, você não vem?...(decepcionado) Sei... Tudo bem fica pra outra hora, me liga depois... Preciso muito te ver...
(Toca a campainha).
CARLOS – Não desliga que eu vou atender a porta... Não... Não desliga pôrra!
(Quando ele atende a porta é a Gilda com um celular na mão).
GILDA – Surpresa!
CARLOS – (Sem graça) Sua doida!
GILDA – (Manhosa) Minha paixão tava quase chorando é? Que gracinha.
CARLOS – Pôrra, Gilda, isto não se faz. Eu já tava passando mal aqui.
(Eles se abraçam, dão risadas e se beijam).
GILDA – Nossa Cacá, que mesa linda! O que deu em você? (em direção da cozinha) Huumm! Que cheiro ótimo. É a minha lasanha de carne?
CARLOS - Com molho branco como você adora.
GILDA – (Agarra ele e o beija) Como eu te adoro!
CARLOS – (rindo) Você sabe que dia é hoje, não sabe?
GILDA – Claro meu pingüim.
CARLOS – Não me chama assim que eu não gosto...
GILDA – Tá bom meu gostoso.
CARLOS – Isso, assim faz mais sentido.
GILDA – O meu gostoso acha que eu ia me esquecer? Hoje são 25. São quatro anos, quatro anos que eu sou a mulher mais feliz do mundo. E você acha que eu não iria desconfiar desse jantar?

(Eles dão risadas e namoram no sofá. Jazz).
GILDA – Huumm, você sempre me deixa faminta.
CARLOS – Então me devora, cachorra.
GILDA – Ah, não...espera... você sabe, quando eu tô com fome não dá mesmo.
CARLOS – (Ele vai se excitando com o que diz, até gritar)... Até parece, vai, eu adoro ser mordido, lambido, provado, mastigado por você. Eu fico louco quando me toca, perco completamente a razão. Minha vadia!
GILDA – Olha os vizinhos! Calma, tá quente aqui. Desse jeito o jantar vai virar café da manhã. Vamos Cacá, que eu tô morta de fome e o cheiro dessa lasanha tá vindo aqui.
CARLOS – (insiste) Por mim, a lasanha pode até estragar.
(Gilda resiste)
CARLOS - Mas se faz tanta questão, eu só tô mesmo com alguns amendoins no estômago desde ontem à noite.
GILDA – Pôrra, Cacá, você não toma jeito. Vai acabar pegando uma doença grave com essa pressão toda. O dia inteiro sem comer. Maluco!
CARLOS – (Bate três vezes na mesa) Não começa a me urubuzar! Que doença nada. Tirou isto de onde?
GILDA - Sei lá, você se alimenta mal, bebe pra caralho, fuma horrores, pôrra, desse jeito, você quer o quê? E sem falar na quantidade de pó e fumo que você coloca pra dentro toda noite.
CARLOS – (Incomodado com o discurso) Toda noite não! (Deboche) Olha só, eu não sabia que a minha artista plástica havia feito algum pacto com Cristo. Isso pode dar uma bela obra (ri).
GILDA – Não é isso.
CARLOS – Pôrra, é o que então? Até parece que você é uma santa. Eu nem preciso ir muito longe, fim de semana passado você tava muito louca! Já se esqueceu do banheiro da boate? Completamente sem noção... no banheiro dos homens!
GILDA – (Sem graça) É, mas, tá legal, Pessoa. Olha, finge que eu não disse nada. Quer saber? Morra, seu mal agradecido. Eu só tô preocupada com você, mas deixa pra lá, isso não tem importância mesmo. Deixa eu comer sossegada.
(Ficam em silêncio por um tempo).
CARLOS – (Seco) Desculpa. (ela não dá atenção).
CARLOS – (Acende um cigarro) Desculpa. Ei, tem alguém aí?
GILDA - Me deixa quieta, vai. E apaga esta merda que eu tô comendo. Nem pra comer você não larga esse vício? Essa porcaria parece a extensão do teu braço.
CARLOS – (Apaga o cigarro) Você ficou muito quieta.
GILDA – Eu sou assim mesmo. Já era pra você saber, afinal, são quatro anos e não quatro dias.
CARLOS – Que mudança repentina de humor...
GILDA – Claro, Pessoa, olha só pra esse quadro. Uma merda de preocupação com o outro gera logo essa discussão toda. Devia ser diferente. Amar é muito complicado, sabe. Eu às vezes acho que não vou conseguir. É muito ruim duvidar dos próprios sentimentos.
CARLOS – É, eu concordo com você.
GILDA – Tá vendo, essa hora era pra você me dizer outra coisa, sei lá, me dar esperanças, mas não, você previsivelmente concorda comigo. Vocês homens são todos iguais. É só olhar o manual.
CARLOS – Eu não te entendo. Me diz, o que é que eu não faço por você? Eu sou apaixonado por você, todo mundo sabe disso. Eu te amo loucamente! Se eu pudesse, ficaria o tempo todo ao seu lado.
GILDA – Ficaria mesmo?
CARLOS – Claro meu amor, você tem dúvidas disso? Não existe um dia em que eu não pense em você. Pôrra, Gilda, por que tá encanando agora? Não deixa essa crise se estabelecer, vem cá vai...
GILDA – Não, pera aí, Pessoa. Vamos conversar. Eu, eu tenho passado por vários problemas, você sabe. Minha vida profissional aqui no Brasil tá muito devagar. Eu já não tô agüentando, eu preciso produzir mais!
CARLOS – Não entendi “aqui no Brasil...” você queria que fosse aonde, afinal?(ri) Cai na real Gilda, você... (Ela corta).
GILDA – Deixa pra lá.
CARLOS – Não, olha pra cá. Enquanto eu estiver aqui nada vai te acontecer.
GILDA – Aí é que tá, até quando, em Pessoa? Me diz, até quando? Eu não posso ficar dependendo de homem nenhum pra pagar as minhas contas, eu não sou assim. Você conhece a minha história. Eu saí de casa com 19, me virei, morei em vagas, houve épocas em que eu fazia só uma refeição por dia e era feliz assim e sabe por quê? Eu fiz aquela escolha. Eu escolhi viver daquele jeito.
CARLOS – Eu sei, eu só tô tentando te ajudar.
GILDA – (Desesperada) Mas agora não tá sendo do meu jeito. Perdi o controle da situação, Pessoa. Eu tô preocupada. As coisas mudaram. Você quer me ajudar mesmo, em Pessoa? De verdade?
CARLOS – E você duvida disso?
GILDA – Então, vamos resolver logo a nossa situação. Vamos juntar os trapos logo, Cacá.
CARLOS - Lá vem você de novo com esse papo de casamento. Deixa como está.
GILDA – Eu não tô dizendo pra casarmos na Igreja, não é a nossa cara mesmo, mas vamos morar juntos. Vai ficar mais fácil para os dois. Vai ser apenas um aluguel, vamos poder dividir as contas, vai sobrar mais grana para o dia-a-dia, Cacá. A gente vai se ver mais, entende? Eu sei que não tá fácil pra você também.
CARLOS – Não me coloca nessa confusão!
GILDA – Mas é mesmo, tá enfurnado naquele antro de viciados. Um barzinho de merda, uma esquina maldita, um bando de artistas desempregados, que não sabem fazer outra coisa a não ser encher a cara todas as noites. Quando foi a última vez que encenaram uma peça sua? Você tá na maior merda, cara! Daqui a pouco o resto da tua grana vai acabar, grana que você só conseguiu juntar com seu trabalho, eu falo de teatro, que é o que você sabe fazer melhor, aí eu quero ver. Não tem mais ninguém montando os seus textos. Quero ver você viver com o contado do mês, meu pingüim.
CARLOS – (Furioso) Pingüim é a puta que te pariu! Eu não ligo pra essa merda de grana!!! Eu tô vivendo e isto me basta. Não se esqueça que essa comida que você tanto gosta quem botou na mesa fui eu. O “escritorzinho” aqui. Não me culpe pelo seu ressentimento profissional, pela sua incapacidade de progredir, de fazer acontecer. Faça a sua parte que a vida tá te gritando! E quer saber? Eu não vou morar junto pôrra nenhuma!
GILDA – (Se levanta, descontrolada) Pra mim chega! Eu vou embora.
CARLOS – Vai logo, é sempre assim mesmo. Quando a barra pesa para o teu lado, você me pega pra Cristo. Já me acostumei.
GILDA – (Grita) Eu não quero um homem acostumado! Eu vou embora Pessoa.
CARLOS – Tá esperando o quê? Se manda!
GILDA – Eu vou embora do Brasil...
(Ele ri)
GILDA – É isso mesmo que você ouviu, eu vou me mudar pra Nova York, Cacá.
CARLOS – O quê?
GILDA - Eu vou expor meus trabalhos na cidade mais importante do mundo.
CARLOS – O que é que você tá dizendo?
GILDA - O Marcos... fui convidada por ele. Vou ficar três anos lá.
CARLOS – Não acredito...
GILDA - Vou ter um ateliêr maior, vou ensinar na faculdade, os meus trabalhos vão ficar conhecidos, você vai ver. Eles tão me dando valor. Daqui a um mês eu viajo.
(Ele fica mudo).
GILDA – Você me ouviu? Eu ainda não aceitei, mas...

(Ele acende um cigarro, coloca um pouco de vodka no copo e vira. Enche o copo novamente. Põe “Dazed and Confused”, do Led Zeppelin e se larga nas almofadas. Ela pega a sua bolsa, vai até ele, passa a mão na sua cabeça, resiste, tira o copo da mão dele e vira a bebida em um só gole. Vai embora).









Free counter and web stats


Nenhum comentário: