quinta-feira, 14 de agosto de 2008

BLOCO C

Em dia de visita o rigor é maior. Ninguém escapa, nem mesmo as crianças, até mesmo porque elas podem ser portadoras de objetos e informações importantes. Não pense que as comidas escapam. Tudo é revirado e olhado por guardas atentos aos mínimos detalhes. Cigarro é permitido. Álcool não. Maconha ou pasta de coca, impossível. Mas entra. Esquemas do devorador mundo capitalista. Festas acontecem. Encontros sexuais também. Uma oportunidade de sair da rotina encarcerada. Sem ciúmes. A visita é território neutro, cafécomleite. Os casais se separam todas as quintas, à tarde. No fim da noite, elas se encontram no banheiro e trocam carícias sem parar. Não olham para as outras. O banheiro é código, liberdade, permissão, omissão e muita promiscuidade. A diretora da cadeia sabe, mas faz vista grossa. De outro jeito teria rebeliões todas as semanas. Mas come também uma detenta. E isso pesa. Não dá para segurar uma mulher com vontade de trepar, o que dirá uma cadeia toda. Mesmo livres, ainda encontram tempo para se apaixonarem. E tem esperanças. As meninas do Bloco C são as mais perigosas. Obsessivas por natureza. Não frequentam esse parque de diversões sexuais. Tudo é mais vigiado. No máximo masturbação. Um solitário jeito de não enlouquecerem definitivamente. Na última visita, na quinta passada, elas se rebelaram. Pegaram duas guardas como reféns. Alcançaram, nervosamente, o telhado e tomaram todo o Bloco C de assalto. O choque invadiu. Elas não recuaram, bateram de frente. Estavam dispostas a tudo. Foi uma carnificina. Estiletes improvisados rasgaram muitas barrigas uniformizadas. Morreram todas. O Jornal Nacional chegou a falar do assunto. Muito tímido. Uma intoxicação em massa no Bloco C. Uma tragédia. Nenhuma presa sobreviveu. Desativaram o prédio. Na maior cara dura assinaram o atestado de culpa. E até hoje nenhum processo foi aberto. Nos dias de visitas é servido um bolo enorme. Exigência das detentas. Paliativo, mas extremamente político.









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