sexta-feira, 8 de agosto de 2008

RASCUNHOS


Filho coloca um rock. Arruma a sua cama. Ajeita as bagunças do seu quarto. Tenta deixar o ambiente agradável. Acende um incenso. Examina cada canto. Ouve batidas na porta. Abre. É a sua mãe. Deixa – a entrar.


MÃE – (invade o quarto) Não tenho muito tempo. Termina logo com esse mistério.
FILHO – (aponta a cama) Senta aqui, mãe.
MÃE – (olha ao redor) Nossa, vou pegar a filmadora pra registrar isso aqui. Nunca vi esse quarto tão arrumado e cheiroso. Realmente tá com cara de quarto.
FILHO – Eu só mexi numas coisas.
MÃE – Olha, você não sabe o quanto eu queria que você mexesse em algumas coisas de vez em quando.
FILHO – Tá legal, mas senta aqui, mãe.
MÃE – É sério, você já tá com 22 anos, devia se acostumar a manter seu quarto assim. Sabia que o jeito que cuidamos de nosso quarto demonstra a forma como encaramos a nossa vida? Já perdi as contas de quanto eu já repeti isso pra você.
FILHO – Dá um tempo, mãe, eu que te chamei pra conversar. Abandona um pouco os seus interesses e me ouve.
MÃE – Tá bom, mas vê se não demora que eu tô esperando visita.
FILHO - Papai não chega hoje?
MÃE – Não, ligou agora a pouco avisando que perdeu o vôo e vai ficar mais um dia em Manaus.
FILHO – Agora eu entendi a sua pressa...
MÃE – Vai me recriminar agora, é? Você tá careca de saber que ele não perdeu vôo nenhum. Vai é ficar com aquela vadia... (recalcada) que se diz atriz! Ela tá é arrancando o dinheiro do seu pai. Não demora muito, você vai tá atendendo a porta pra um moleque parasita, te chamando de irmão. Aí eu quero ver você me recriminar.
FILHO – Se você fosse menos exigente, talvez papai não sentisse necessidade de buscar outros corpos lá fora.
MÃE – E o que tem de errado com esse corpinho aqui? Fique sabendo que eu tô dando banho em muita garotinha por aí. E vem cá, agora eu é que sou a culpada, só me faltava essa. Vou te dizer uma coisa, o seu pai sempre foi assim, desde a época de namoro. Os homens são assim. Não convivem bem com a monogamia, sei lá, já faz parte deles, entende? Que culpa tenho eu de exigir mais atenção, mas olha, nada que seja demais, o suficiente pra eu me sentir importante e necessária ao lado dele .
FILHO – Você às vezes sufoca.
MÃE – Pera aí, que discurso é esse? Então quer dizer que você concorda com a postura do seu pai?
FILHO – Não é isso, mãe...
MÃE – Não é isso o quê? Você aprova a atitude do seu pai sim, lógico, é um homem. Você pensa igual a ele. Mesmo com toda essa aparência liberal, você no fundo é conservador. E torce por ele.
FILHO – Que conservador, mãe, não é nada disso, eu só acho que as pessoas tem o direito de serem felizes, e que todos deveriam respeitar as decisões dos outros.
MÃE – Então respeite a minha. Ele sai e eu abro a porta pra felicidade. Mereço um pouco também. Mas como você mesmo disse, eu não vim aqui pra falar de mim. Desembucha logo, que assunto importante é esse que você tá a semana inteira me preparando?
FILHO – Calma, o papo tá bom. Sabia que a senhora pouco entra aqui.
MÃE – Mas não tem nenhuma novidade aqui, eu comprei tudo, a única coisa que me surpreendeu foi a arrumação. Parece até que passou uma empregada por aqui.
FILHO – Eu já tô afim de falar com a senhora faz tempo...
MÃE – Tá, mas não me vem com esse discurso de filho carente, que eu não apareço, você sabe, nós não te educamos assim.
FILHO – Fica quieta, mãe, deixa eu falar agora. Nossa, você fala muito!
MÃE – Tá bom, calma, eu sou toda ouvidos.
FILHO – Então, eu já tô com 22 anos, como a senhora mesma disse. Já sou responsável pelas minhas escolhas e...a senhora sabe, nem tudo que a gente escolhe ser, viver, experimentar, as pessoas lá fora aceitam, não é verdade?
MÃE – Você tá dizendo...
FILHO – Mas é mesmo. Veja o seu caso, por exemplo, a senhora tem um amante. A sociedade recrimina isso, mas a senhora não tá nem aí, quer dizer, tá. É, porque senão, não ficaria às escondidas.
MÃE – Tá...continua...
FILHO – Olha, mãe, não pense que eu sou contra a sua decisão. Eu posso não demonstrar, mas eu aceito a sua opção. Tá certa, é isso mesmo, tá infeliz? Então precisa mudar. Confesso que eu queria que você e o papai se dessem bem, mas fazer o quê? A vida nos apresenta cada surpresa, não é mesmo?
MÃE – Eu não faço isso por vingança. Eu sinto falta mesmo. Não de um rosto específico, seu pai foi uma surpresa na minha vida, como poderia ter sido com qualquer um. Eu não consigo é conviver com aquela sensação de não ser desejada. Toda mulher precisa disso. Os homens não entendem, não precisa nem de amor, isso é Casablanca, é invenção, nós sentimos falta mesmo é de sermos desejadas. Todas as mulheres só querem isso. Mas vocês não entendem...
FILHO – Entendo sim, mãe, eu também sou assim. Eu preciso ser desejado, eu preciso perceber que sou importante pra alguém, sabe? Que a minha presença desestabiliza esse completamente seguro de si. E eu queria falar contigo sobre isso. Sobre o que eu sinto há anos. Sobre o que eu não compreendo porque sinto, e que eu não me preocupo nem um pouco porque eu sinto isso. Eu já fiquei muito confuso, mas agora resolvi dar um basta a toda essa confusão.
MÃE – Pra isso me chamou aqui?
FILHO – Isso mesmo, eu não agüentava mais esconder isso da senhora. Não que eu esteja buscando aprovação, não sei, vai ver até que é, mas o que mais me tá claro é que eu preciso de um aliado dentro da minha casa. Eu não queria achar importante a opinião de alguém daqui, mas porra, eu acho, que merda! Seria tão mais fácil ligar o botão do foda-se e viver a vida do jeito que eu quisesse, mas não, essa bosta dessa necessidade de falar, de obter aprovação. Eu não queria ser assim, mãe, eu juro que eu queria não me importar pra o que você pensa sobre mim.
MÃE – São os laços que nos unem, eu também nunca gostei disso. Cansei de tomar atitudes contrárias aos meus valores só pra não contrariar os valores dos meus pais.
FILHO – É isso, assim mesmo que me sinto! Nossa que alívio. Ô, mãe, que bom que a senhora entende, eu pensei que fosse mais difícil, mas a senhora é cabeça mesmo. Obrigado.
MÃE – Tá legal...e então?
FILHO – Então o quê?
MÃE – Não foi pra isso que você me chamou até aqui, foi?
FILHO – (nervoso) Não, quer dizer, mas faz parte...é tudo uma coisa só...se a sua reação foi legal com essa parte teórica, tenho certeza que na prática se eu falar pra senhora que eu adoro meninos, pôxa, a senhora vai entender numa boa, não é mesmo?
(Pausa)







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