sexta-feira, 8 de agosto de 2008

RASCUNHOS (continuação e fim)



(Pausa)
FILHO – A senhora quer um cigarro?
MÃE – Parei faz uma semana...
FILHO – Ei, e isso aqui? (apanha dentro do criado-mudo uma garrafinha de uísque)
MÃE – (arranca a garrafinha das mãos dele e dá logo uma golada) Acho uma boa hora.
FILHO – Olha, mãe, não precisa falar nada agora e nem nunca...fique à vontade pra ser você.
MÃE – Se eu fizer isso você não sai vivo deste quarto.
(Pausa)
MÃE – Acho que acabamos. (levanta-se para sair do quarto).
FILHO – (segura a mãe) Pera aí, mãe, não sai assim, vamos conversar...
MÃE – De que adianta, você me parece bem decidido, mas não me venha pedir que eu aceite isso, que você sabe muito bem que eu não aceito. Um filho viado, era só o que faltava na minha vida.
FILHO – Viado, não!
MÃE – Viadinho sim! Qual é, vai tapar o sol com a peneira agora?
FILHO – Eu nunca pensei que.. você fosse ter uma reação como essa, que decepção.
MÃE – Decepção? Vai te à merda! Meu filho diz que adora um macho e você é que se dá o direito de se decepcionar? Mas não mesmo.
FILHO – Você me enganou direitinho, toda liberal, amamentando um amante dentro da nossa casa, jogando pro alto o casamento na maior, nossa, quanta contradição.
MÃE – Olha, a minha vida não está em cheque aqui. Não fui eu que te procurei pra falar das minhas obsessões. O que eu faço ou o que eu deixo de fazer não te interessa. Vai pagar umas contas aqui de casa pra depois vir me dar espôrro.
FILHO – É mesmo é? Então agora é assim, me coloca no mundo sem me consultar e depois me sufoca com um monte de cobranças? Nada disso, mãe, esse peso a senhora vai ter que carregar comigo. Não foi a senhora mesma que disse que não escolhemos família? Então, essa barra eu não vou segurar sozinho. Percebeu?
MÃE – Não quero nem saber, isso é assunto pra seu pai. Se você fosse uma menina, na certa ele iria te empurrar pra cima de mim. Vai lá procurar aquele filho da puta, e aproveita e diz pra ele que eu não tô nem um pouco com saudade.
(Pausa)
FILHO – Vocês nunca pararam nem um instante pra me ouvir. Me lembro que as poucas vezes que experimentei a atenção de vocês, senti a ausência de suas almas. Vocês estavam ali, de corpo, mas o pensamento não conseguia abandonar suas necessidades. Vocês sempre foram muito egoístas, acredita que quando eu tinha meus 17 anos, cheguei a pensar que eu era filho adotado? Mãe, vocês nem perceberam que eu cresci, que eu sou alguém com vontades. Olha, embora eu queira tanto dividir isso contigo, e que essa dependência me deixa puto, tô preparado pra não te ouvir mais. Eu sei que a gente não vai mais falar nesse assunto, e que a senhora vai fingir que nada aconteceu. Não me importo em te ver brincando de realidade pela casa. Nisso somos iguais. Nem eu e nem a senhora somos pessoas de agüentarmos a convivência com um calo desgraçado apertando o nosso pé. Fingimos que ele não existe.
(Pausa. Mãe abre a porta).
MÃE – Vou preparar o teu lanche. Liga pra Flavinha vir lanchar contigo. Ela arrasta uma asa pro teu lado.
(Filho pega o fone de ouvido, coloca no seu rádio e se deita na cama. Mãe sai).







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