segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O ÚLTIMO DIA


(A cena acontece dentro de uma delegacia da Zona Sul, Rio de Janeiro. É uma tarde de um domingo de verão. Um homem está de costas para o público e bastante alterado. Fala com um carcereiro, aos gritos. Seu nome é Hélio Paixão, um delegado de polícia de 55 anos. Veste calça jeans, camisa social, blaser, ostenta jóias douradas, tem uma medalha de São Jorge no peito. Usa uma pistola na cintura, mas só dá para ver o volume. Veraneio Vascaína, ao fundo).

HÉLIO PAIXÃO - (berrando) Autua esse safado aí! Viciadinho de bosta... E se criar tumulto senta o pau nele! (para o público) Aqui é assim, quem manda nessa pôrra sou eu. Deu pra entender? Na rua eles roubam, matam, estupram... Se drogam como uns loucos, feito esse infeliz que eu peguei fumando ali na esquina, sem vergonha... Na esquina da DP? Tá de sacanagem... Pra mim, todos eles são a mesma escória. Mas quando chegam aqui se transformam em santos. Nunca fizeram nada e ainda tem a cara de pau de exigirem os seus direitos. (dirige-se ao preso) Tu não tem direito nenhum, ouviu? (resmunga) Vai apodrecer nessa merda! (pausa) Não dou moleza pra vagabundo. O cara tá nessa vida porque quer, fez sua escolha, não fez? Agora que aguente as consequências. E ainda tem uns e outros que insistem em dizer que esses vagabundos, que se tu der mole, arrancam a tua vida num sinal desses aí pela cidade, e eles insistem em dizer que esses vagabundos são vítimas de uma sociedade preconceituosa, que não dá a mínima pras minorias. Agora a culpa é nossa! (ri) Uma tremenda hipocrisia... (colocando o terror) Quero ver quando um bandido desses invadir a tua casa, estuprar a tua filha, estuprar a tua mãe e matar as duas na tua frente. Aí eu quero ver você falar de direitos humanos. Esses caras não são humanos, acorda! Tô na polícia há 15 anos e já vi muita coisa ruim aqui, meu amigo, não tenho vergonha de dizer que não perdôo ninguém. Desconfio de todo mundo, até da minha mulher! Aprendi a viver assim. Todo mundo deve alguma coisa, todo mundo tem um segredo (pausa. Encara o público) Eu gosto de ser policial, é o meu sonho de criança (ri), me sinto realizado hoje. Minha família é que sofre muito com a minha escolha, eles não dizem mas eu sinto. Quando saio pra trabalhar eu tô consciente de que talvez nem retorne, mas eles... Quer saber? Eu agarro a minha medalha de São Jorge e vou na paz. Ele tem me protegido por todos esses anos (coloca a mão na arma), eles. (indignado) Vocês acreditam que tem bandido pagando pra quem matar policial? A rua tá cada vez mais perigosa. Subir morro, entrar em favela... Os traficantes estão com um poder de fogo muito maior do que nós e isso não é nenhuma novidade. A droga tomou conta da sociedade, agora são todas as classes. É uma doença que não querem que seja curada. Dá lucro! Esses jovens aí estão se drogando cada vez mais cedo, agora já é no primário que eles ganham uma presença de um estranho qualquer e aí começam... Estão completamente perdidos, assinam o próprio óbito sem ler no papel o que tava escrito. Isso é suicídio! Cambada de viciados... Tem é que baixar a porrada nesses desgraçados! É verdade, estou sendo honesto, se não fossem esses viciados, os traficantes não teriam tanto poder de fogo assim. São esses malditos drogados que sustentam a indústria do crime. Drogas, armas, poder... (com sarcasmo) Na madrugada eu não perdôo... Meto a mão na cara quando eu pego um elemento desses pela rua! Arrebento mesmo pra ver se o cara desaparece da área, quem sabe até mude de idéia e desista de usar drogas novamente... (pausa, acende um cigarro) Tenho visto muitos desses por aqui. Sempre desesperados, com os olhos esbugalhados, dentes travados, nariz escorrendo e passando até as melecas nos dentes. Eu não entendo como eles conseguem correr tanto risco. Hoje, se um jovem for preso portando drogas, tá aliviado na hora! Mandam o filho da puta pra tratamento. A gente até faz um terror, arrebanha uma verba, mas eles acabam sendo liberados. E as famílias dos colegas falecidos? Deviam mandar também pra tratamento. (pausa) Mas a gente se vinga também. Muitas vezes quando esses pregos não ficam pegados, pelo menos uma noite eles passam na cadeia e isso já é o suficiente pra eles se fuderem com uma turma bem barra pesada, ganham uma cerimônia do barbante, isso mesmo, colocam o anel de barbante. Foda-se! Quer saber? Caguei pra esses merdinha! Tem vezes até que neguinho pinta o rosto deles. Dormem no buraco, sabe o que é isso? É a privada dentro da cela, que humilhação, meu amigo. Ontem mesmo peguei um viciado, uma tal de Paulinho, em pleno sábado ensolarado, de manhã, saindo da boca de fumo. Coloquei ele lá... No meio da bandidagem... Durante horas ficou fingindo ser o que não era, contando história, tentando sobreviver lá dentro, tava se mordendo todo... (com Itálicodeboche) Bonitinho daquele jeito, não teve conversa, o mais malandro fez logo ele de mulher. De ontem pra hoje só se ouvia os seus gritos pela delegacia (voz em off dos gritos de Paulinho). Eu nem me meto, isso é problema deles! Já vi muito esse filme, é reprise diária. Agora, ele tinha cara de ser filhinho de papai. Hoje, pela manhã, eu liberei um telefonema, tá na lei, certo? E a família veio correndo resgatar o inocente. (com deboche) Inocente que eu peguei saindo da boca de fumo com um tijolinho de maconha e um saco, (demonstra com as mãos) assim ó, de cocaína, a droga tava enfiada dentro do cú! Brincadeira... Parecia um bicho, fedendo a bebida, se escorando pelas paredes dos barracos, morrendo de medo... A família não quer ver o problema, eu ainda tentei argumentar, sabe como é... – Vai cuidar do seu filho, meu senhor! E o moleque... o moleque não parava de repetir: (Imita o filho) - Agora eu vou mudar, papai! Eu juro! Mas não tem jeito... O filho do vizinho é safado, maconheiro, vagabundo... o do vizinho! Pimenta nos olhos dos outros é refresco e como eles não querem enxergar o problema, a solução está cada vez mais distante.
(Ele sai).






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