quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

LENDA URBANA


Eu nem sei ao certo se deveria contar essa história. É tudo tão rápido e incerto. Confuso e ridículo. E não confesso aqui noites embriagadas. Não. Embora o álcool esteja sempre presente, como uma mosca porca e maldita que não se afasta nunca dos restos esquecidos. O que me apavora o sono, nesse instante, é o que me motiva a insistir nessas linhas velozes e sem sentido, é o que pode me deixar inquieto logo na primeira hora após a oração de entrega do dia, não que eu seja católico, mas preciso continuar a escrita, como uma reza ligeira, que talvez espante tudo aquilo que eu vou tentar te contar. Escrevo sobre o exato momento em que não se tem mais o controle de nada – nem sei se tenho isso antes – quando a sorte ou azar estão por conta própria. Escrevo agora. O fato é que desde criança fui mal acostumado a dormir com a luz acesa do quarto. Naquela época, meus pais colocavam uma cabeça sinistra e avermelhada para iluminar o canto de minha cama. Eles pensavam que aquilo podia me acalmar. E eu dormia. Sim, eu dormia anestesiado diante de tanto horror. Aquela imagem sem voz, presente, sempre alerta e tomando conta completamente do meu ambiente. Tinha vezes que a cabeça tremia, acho que eram insetos sem noção, que buscavam refúgio no calor de sua futura morte colorida - e assim eu disfarçava. Triste. E inevitável. Horrível. Bom, hoje, eu só durmo com a televisão ligada. E faz tempo que não sei o que é o sono voluntário. Eu simplesmente adormeço diante de qualquer programação. Ontem, veja bem, só escrevo essas linhas porque está tudo tão próximo. São poucos instantes diante do ocorrido e confesso que nem sei se estarei vivo na próxima noite. Nem sei se termino. E já prevendo o pior, penso em deixar esse testemunho incrível guardado embaixo da cama do quarto dos fundos. O que não tem televisão. E bonequinhos rubros sorridentes. Lá, a noite parece ter fim. Talvez eu consiga. - Calma! Não tô rodeando como um escritor de carreira, que deseja prender a atenção e vender seus escritos na primeira esquina - Eu preciso que você preste muita atenção! - E depois que estiver lido e percebido, eu estarei, seja lá onde, satisfeito por ter conseguido te alertar do perigo. – nem pense que eu tentei rimar numa hora dessas – mas vamos aos fatos. Eu ontem deitei com a tv ligada – já passam das quatro, eu acho. Eu sempre faço isso, já disse. Fiz um lanche leve. Pão com ovo, presunto, tomate e alface para disfarçar. E suco com gelo para amenizar o imenso calor que tem feito nesses dias loucos de verão. Depois da larica, guardei a bandeja, lavei o copo e o prato e voltei para a cama. Assim que encostei minha cabeça no travesseiro, falhou a energia. – falhou! - Não faltou como de costume - ela falhou porra! - Foi só uma piscadela de olhos. Tão rápido como um ataque cardíaco fulminante. – você tinha que ter visto! O suficiente para me deixar sentado, num pulo, na beira da cama. Inerte. A tela voltou aos chuviscos. Chuviscos e barulhos irritantes de chuviscos. Você deve saber como é. Bati de leve na tv e nada. Aliás, nada não, o inquietante barulho aumentou. Bati novamente na esperança de que tudo voltasse ao normal, mas foi em vão. O angustiante som parecia não ter mais fim. Na sequência, eu não sei explicar porque razão, mas mesmo certo de minhas faculdades mentais intactas – penso eu – paralisei diante da imagem chuviscada do aparelho. Nesse exato momento, veja bem, se eu ainda escrevo esse relato é porque imagino que tive alguma autorização, sei lá de quem, para continuar com a contação e talvez, nada do que eu tenha escrito foi de fato o ocorrido, tendo em vista que a vida é a manipulação dos fenômenos. Você acredita em seres extraterrestres? E em situações paranormais? Jesus? Naves espaciais? Espíritos? Você acredita em Deus? Eu confesso que creio em muitas coisas quando a minha carteira está abarrotada e quando tudo está prestes a desabar em minha vida. Quando eu era criança, fui muito amedrontado por diversas lendas urbanas, dessas de mulher do saco e loira do banheiro, que sempre me meteram o maior pavor, mas a ideia de que se deixássemos a tv só no chuvisco seria a porta de entrada para seres de outras dimensões, essa eu nunca acreditei. Até bem pouco. – mas eu vi! Antes de continuar, lembre-se que isto é apenas um relato desesperado e corrido e que você está livre para acreditar ou não. – mas eu vi! – eu sei muito bem o que vi. Eu estava paralisado na frente da tv, faz pouco tempo, logo após o apagão instantâneo. Fiquei grudado na tela e ouvi. E em seguida eu vi. Primeiro eram sussurros, que não sei explicar se eram de outra língua, mas com certeza eu não compreendi nada do que dizia. Ou diziam. Da nossa língua, com certeza não era. Fiquei extasiado. – e continuo a escrita por pensar que ainda me resta algum tempo. – os chuviscos estão visíveis! - Sombras, imagens desfocadas, rostos esquisitos vindo em minha direção. - que porra é essa?


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- dá um jeito nessa antena, mané, falei pra não comprar essa merda de segunda mão...
- já fiz de tudo e essa bosta só fica no chuvisco...
- que porra é essa!






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