terça-feira, 6 de dezembro de 2011

TUDO NA CAÇAPA

Só lhe restou o vazio da mesa. E um silêncio assustador que pairava no ar. Ele nunca havia perdido um campeonato. Enfiou o taco nas costas e deu meia-volta, cabisbaixo. O foco preciso no chão. O bar. Sua única direção. Debruçou-se ao balcão. Exigiu um conhaque. Nem sentiu o gosto. Pediu outro, e outro ainda mais transbordado. Não costumava passar do segundo, mas o orgulho encarregou-se de não parar a contagem. Ficou bebaço. Chorou baixinho para dentro do copo, para nem ele e nem Deus ouvir. Trocou poucos olhares intimidados. Todos mudos. Era um apaixonado sem sua amante nos braços. Estava triste e completamente derrotado. Jurou que nunca mais iria jogar. Passou o resto dos seus dias com os pés enfiados na jaca. Mudou de endereço. Escolheu as calçadas. Mas um ano depois, no aniversário da cidade, o prefeito resolveu realizar um novo campeonato. O Sarjeta, então, decidiu ficar limpo. Comprou roupa nova. Fez a barba. Ficou irreconhecível aos olhos do povo. Em pouco tempo, já estava cercado de novo com aquela penca de bajuladores desgraçados. No dia da competição, chegou de fininho. Não queria causar alardes. Fez sua inscrição e aguardou a sua vez. Dirigiu-se à mesa, ginásio lotado. Ele estava agitado demais. Suava frio demais. As pernas estavam bambas demais. Mirou a bola com a convicção necessária e sapecou a redondinha com todo o resto de esperanças que ainda tinha. Acertou quatro. De cara. Gritou sua felicidade sem nenhuma censura. Mesmo com todo o seu gabarito, sabia que o que acabava de acontecer não passava de uma tremenda cagada. Mas ficou valente para a próxima tacada. Com todo o seu charme, arrochou o giz em seu taco. Mas a mão não parecia acompanhar suas emoções. Suava frio. Salivava incessantemente. Precisava de mais uma dose. Aos poucos, embebido de tanta paixão, a danada cobrava sua religiosidade. Preocupou-se com o descontrole e não resistiu.
- uma dose, faz favor!
O público silenciou. Ficaram paralisados diante de tal solicitação. Ele brindou em um único gole. O Sarjeta perdia completamente a noção. Mirou sem muita certeza nos olhos da única que poderia ser a sua salvação. Rasgou o forro da mesa, zunindo a bola para o lado de fora do estabelecimento. Mais uma vez derrotado. Agarrou a garrafa de conhaque e se mandou por debaixo das mesas. Sentou-se no beco, ao lado do ginásio e fixou residência. Havia investiu muito naquela partida. Mas viu a vida desmoronar na caçapa.



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