terça-feira, 6 de dezembro de 2011

REBORDOSA

Acendeu o cigarro pelo lado do filtro. Ignorou o equívoco e o aviso estampado no maço. Arrancou a parte queimada e cuspiu fogo até o último trago. O ontem já era passado. E ele não tinha ideia de como havia chegado naquele buraco. Vasculhou apressado o bolso da calça. Revirou a carteira em busca de alguma pista que pudesse levá-lo de volta ao início. Nem mesmo a identidade ele encontrara. Mas tudo lhe parecia tão familiar e apesar de não ter a menor noção do que acontecia, tinha a plena certeza de que algo se repetia. O buraco. O maldito buraco. Iluminou com o isqueiro e seguiu direção adentro. Não enxergava mais que o máximo possível oferecido pela chama que segurava. O terreno era arenoso, úmido e fétido. E como não podia faltar em uma descrição pretensamente horripilante, morcegos sobrevoavam ao seu redor, baratas rastejavam pelas paredes, em fila, enlouquecidas com o calor que ele exalava de seu corpo. E ratos. Ratos pulavam de um lado ao outro, como se festejassem em um ritual a vinda de uma próxima refeição. O que mais poderia lhe acontecer diante daquele cenário de filme B? Quanto mais ele avançava, mais apertado o caminho ficava. A chama do isqueiro enfraquecia e ele já não sabia se deveria ter avançado. A cada passo que ele dava aumentava o cheiro da podridão. De repente, distante, ele ouve ruídos. Algo ainda inexplicável. Ele acelera os seus passos inseguros, e um clarão repentino interrompe o seu caminhar. Vozes, música, gritos e a imensa escuridão novamente tomam conta do seu horizonte. O que poderia ser? Como um louco Quixote ele avança e se depara com um tubo enorme, um caminho em direção ao céu. O isqueiro se apaga de vez. Ele olha para cima e percebe que lá do alto existe uma entrada. Ou uma saída definitiva daquele buraco perdido. Como um calango desengonçado, ele se agarra nas frestas do tubo e se arrasta sem jeito para o alto. Mete a cabeça com força na tampa que o separa de todo o mistério. Para a sua surpresa, ele sai de dentro de uma privada, em um banheiro imundo. Ele abre a porta e dá de cara com um boteco lotado, uma roda de samba anima a multidão na calçada. Ele respira, aliviado. Ajeita o penteado. E vai em direção ao balcão.
- mais uma dose? O garçom pergunta.
- é claro, é claro que eu to afim.


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