quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

PÉ DE VALSA ENGOMADINHO

Chegou ao baile todo engomadinho. O cabelo grudado na cabeça até que dava certo charme. Limpou os sapatos nas costas da calça, substituiu o palito encharcado na boca e invadiu o salão. Primeiro deu uma geral no ambiente lotado, como sempre fazia. Dirigiu o olhar certeiro para as gatas e disfarçou sorrisos entre as barangas. Manteve a posição segura, marcando as possíveis opções para um futuro amasso. Encostou-se no bar. Percebeu a movimentação e chamou o atendente.
- me dá uma água, cidadão!
Fez seu pedido alto e bom som, só para impressionar os olhares atentos, mas no vacilo geral, sacou uma garrafinha de vodka entocada no bolso do paletó e transbordou o copo de sua ingênua bebida. Entornou a metade e em seguida largou um tremendo elogio no ar.
- melhor do que água, só saliva de beijo molhado.
Um grupo de senhoras safadas, atentas aos movimentos do enxuto coroa se contorceram em risadas. Ele levantou o copo, mandou um beijinho e deu uma piscadela, cumprimento simpático aos olhos dos mais inocentes. Era a primeira tacada comemorada. Naquele exato momento se sentiu dentro da situação. Caminhou ao redor das mesas que enfeitavam a frente do bar do salão, sempre com aquele sorriso maldito na boca. Ele era o cara. Aproximou-se de um gordinho fumão e filou um careta. Não acendeu de imediato. Na verdade ele nem fumava. Detestava o cheiro de cigarros, mas fazia parte da trama que prenunciava o golpe fatal. Desfilou uma volta por todo o salão. Completou o copo com mais uma dose, na encolha, por detrás da pilastra que escorava o palco central. Embromou mais um pouco, escorou o cigarro nos lábios e parou de frente de sua primeira vítima.
- será que Princesa poderia me ajudar?
Mostrou sorridente o cigarro e aguardou a resposta, que veio completamente sem graça, da boca vermelho exagerado de uma senhora de uns 65 anos.
- eu não fumo.
- então quer dizer que a princesa tá planejando incendiar o salão com esse fogo todo?

O cigarro voou com a bofetada na cara. A coroa levantou-se falando um monte. Nem todos os velhos presentes estavam no ritmo das balinhas azuis, que abriam a porta do paraíso perdido. Ele olhou para os lados, na esperança de não ter sido notado, resgatou o cigarro e partiu para a próxima empreitada. A noite acabara de começar e ele estava determinado a não voltar para casa sozinho. Resolveu investir em uma gata mais jovem. Percebeu uma quarentona agitada, que equilibrava um copo de cerveja e um cigarro e sustentava a garrafa na outra mão. Ensaiou os passos, deslizou levemente e entrou na pista da toda prosa.
- só você pode me ajudar...
Com uma cara de menino levado, mostrou novamente o cigarro. Mas essa era de outro naipe. Logo esticou a mão que amparava o copo e o cigarro, e meio sem graça com a confusão, aos tropeços diante da situação, sorriu.
- isso ainda vai te matar vovô...
Ele nem se abalou. Rafael malandrinho era cobra criada, macaco velho dos bailes da periferia. Imediatamente segurou firme a mãozinha da dama, acendeu a bagaça, deu uma tragada de pressão, armou o biquinho e lançou bolas de fumaça que formavam corações pelo ar.
- morto eu já tô só de te ver, tesão...
Não preciso nem dizer que a loba ficou encantada com o entusiasmo do velho e a cena só poderia terminar no meio da pista de dança, com as bocas grudadas num delicioso bolero. Enquanto o sol cutucava a moleira dos boêmios sem par, eles continuaram dançando, devassos, sem hora certa para terminar.




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