sexta-feira, 5 de junho de 2009

ESTELA



Desceu a escadaria da escola de teatro em silêncio. Não tinha sido uma noite daquelas. Seu fraco desempenho estava estampado nas caras ausentes de seus colegas. Desceu sozinho. Com os olhos estatelados no chão. Acendeu um cigarro. Arriscou olhar para trás. Já contava com a subida deserta, mas sempre arriscava dar uma conferida. Pediu carona lá embaixo. Análises justificadas para o péssimo desempenho na aula de improvisação. Teorizaram sobre o comportamento exclusivo de seus colegas. Resultado do mercado televisivo ambicionado pela maioria dos que procuram escolas de teatro no Rio de Janeiro, principalmente dos que fogem de seus estados com a desculpa da vocação. Meteram o pau nos alunos-platéia e foi assim até o final da av. Presidente Vargas. Terça tranqüila. Pista vazia. Dobraram no viaduto bem devagar. Sem assunto. Apenas o barulho batido do motor do fusca 79. Sem perceberem de onde saiu, uma menina negra, calcinha e rosa branca nas mãos, cruzou o caminho dos dois. Silêncio absurdo. Até o fusca se calou. Os dois foram testemunhas de uma mesma visão. Desceu do carro sem se despedir do amigo. Não tocou no assunto por alguns dias, mas sonhava com a menina todas as noites. Virou um inferno a imagem daquela criatura, mais de onze da noite, semi-nua em uma avenida tão sinistra, não devia ter nem dez. Louco para por um fim nas noites de sono perdido, começou a perguntar se alguém conhecia aquela menina. Depois de percorrer quase todo o centro da cidade, invadiu a favelinha ao lado do viaduto. Descobriu uma velhinha, moradora mais antiga da região, que lhe contou a história de Estela, uma criança, filha do primeiro casal, os que fundaram a favelinha. Na década de 50, uma menina havia sido estuprada e morta pelo seu tio, que morreu em seguida linchado pela comunidade. No outro dia, encomendou missa para Estela. Nunca mais dobrou naquele viaduto.








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