domingo, 27 de setembro de 2009

CAMINHADA ESPIRITUAL



Pulou do coletivo aos gritos. Não tinha dinheiro para a passagem, mas também não precisavam tratá-lo com tamanha grosseria. Caminhou sob um sol de rachar. Já havia até esquecido o ocorrido. Não era de guardar ressentimentos por mais de cinco minutos. Foi o tempo de um cigarro. Queria apenas passear. Se pudesse não pensar, seria ótimo, mas não conseguia atingir essa proeza. Nunca prestou para ser monge. Desconfiava de tais hábitos absurdos. Nunca foi ligado em nenhuma religião. Desconfiava de tais crenças com discursos absurdos. Sabia que precisava seguir um caminho espiritual. Mas nunca foi convicto em nada. Visitou diversas igrejas, passou por seitas malucas, conversou com pastores e continuou sua peregrinação em busca da almejada paz. Ou do desejoso tumulto contínuo. Sabia que só avançava alguns passos após um tremendo rebuliço em sua vida. E assim seguia. Sem muitos planos. Apenas os dias e suas possíveis soluções imediatas. Depois de muito caminhar, deu de cara com uma placa vermelha. Letras enormes. Um convite aos olhos mais distraídos. TEMPLO HARE KRISHNA. Já havia ouvido falar. Principalmente da comida que era servida durante o culto. Uma delícia da culinária natureba. Não tinha um puto na carteira, aliás, nem tinha carteira. Com a fome estampada na cara, e duro, não fez por menos. Subiu a ladeira. Já havia ouvido um monte de histórias, mas nada que o convencesse de fato a encarar o evento. Mas da comida ele lembrava. E isso bastava para motivá-lo a encarar a subida. Chegou na porta, viu uma imensa fila. Ficou surpreso. Vasculhou a multidão e percebeu gente de todas as classes. Não se intimidou, pelo contrário, sentiu-se muito a vontade. Chegou de mansinho, como se já fosse local. Puxou assunto com um, respondeu às dúvidas de outro. Em pouco tempo já estava na frente da fila. Cheio de intimidades. As pessoas entravam e deixavam os seus calçados ao canto da porta. Ninguém tomava conta. – Incrível! Pensou, abismado com tal confiança. Encostavam seus calçados e pegavam um horroroso chinelo. Confortável sim, mas extremamente de mau gosto. O local era muito tranqüilo, perfumado. Cheirava a paz. Pessoas, aparentemente felizes, espalhadas pelo jardim. Umas liam, outras conversavam. Um clima de céu legal. Aproximou-se dele uma mulher com a cabeça raspada e uma bandeja de comida nas mãos. Uns bolinhos esquisitos. Ele se serviu. Tudo completamente diferente do que ele estava habituado. Comeu bastante. Encheu a pança. Alimentou a larica zilhões de vezes. Ninguém o recriminou. De repente, o sino. Uma única batida com uma propagação quase infinita. As pessoas começaram a entrar no salão. Ele estava cabreiro, observou atento. Apenas deixou a coisa tomar jeito. Foi um dos últimos a entrar. Não tinha outra escolha. Apesar do excesso de comida, ainda estava ligado demais. Não gostava de lugares fechados, com muita gente. De repente começou uma cantoria. Ritmos orientais. Um bando de carecas caminhando pelo espaço, entoando mantras monossilábicos. As pessoas, em seguida, começaram a imitação. Em pouco tempo, estava uma correria danada dentro do amplo salão. E ele parado. Incrivelmente congelado. Tentou perceber a dinâmica, sem muito êxito. Mexia apenas a cabeça. Percebeu vários olhares indesejáveis. Começou a sua caminhada sem tirar os olhos das outras pessoas. Desconfiou. O ritmo dos demais acelerou. Começou uma louca correria dentro do salão. Ele se descontrolou. Não perdeu tempo e saiu correndo. Os olhos saltados. Tinha a plena certeza que queriam pegá-lo de qualquer jeito. Encontrou uma oportunidade e se mandou dali. Pegou o primeiro calçado pela frente e desceu a ladeira. Sua caminhada, ou sua corrida, espiritual havia chegado ao fim. Por hora, não sentiu nenhuma espiritualidade, mas manteve os pés secos durante todo o temporal que o surpreendeu na saída. Talvez o espiritual estivesse ali. Coitado de quem pegou o seu sapato furado... o inferno decididamente era ali. Hare Krisna!





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