quinta-feira, 17 de julho de 2008

DUPLO HOMICÍDIO

Ouviu um som de buzinas distantes. A luz invadida ainda não o incomodava. Mexeu um pouco o corpo. Nada que fizesse muito esforço. E foi assim por meia hora. Colocou as pernas para fora da cama. De lado. Ficou desse jeito uns quinze minutos. Imóvel. O próximo estágio era coordenar sua mente e seus movimentos. Buscou um ritmo interno e deixou a vida tomar conta de seus membros. Necessidades fisiólogicas. As básicas. Vestiu uma roupa e saiu. Chegou na biblioteca e guardou suas coisas. Atendeu ao público. Terminou Becket. Começou Kafka. Não tinha muito serviço em plena segunda de férias da Universidade. Os ovos do café começaram um briga feia com a linguiça de frango da noite anterior. Correu para o banheiro. Arrastou o Praga com ele. O vaso imundo, urinado e fedido passou despercebido. Cagou como um chafariz. Sorriu prolongadamente. Sua chefe abriu a porta e gritou seu nome. Parecia que ele havia esquecido das horas de tamanha sensação de alívio. Procurou o papel para se limpar. Só achou os marcados com pedaços dos outros. Tirou a cueca. Dobrou-a. Enfiou na bunda e esfregou direto. Dobrou em um pedaço menor e guardou-a no bolso da calça. Saiu e voltou para o batente. Virou figurinha fácil. A colega estranhou aquele forte cheiro. Estava indignada por não saber de onde vinha. Ele nem se interessou em saber o lugar. Não ligava para essas obsessões. Achava que se estava fedendo, então é que precisava feder até o final. Permaneceu sentado. Lendo. Não aguentou mais e gritou:
- Qual que é, vamo dá uma olhada na solinha do sapato que a parada tá fedendo pra porra! Vamo lá? É pra hoje moçada! Foi um surto. Embora vazio, o pequeno ambiente repleto de palavras pelas estantes fazia parecer lotado de gente. E tinha gente também. Sua chefe lhe deu uma bronca. Ele não se intimidou e partiu para dentro. Falou poucas e boas para a sua patroa.
- Olha aí, eu não curto esse lance de porcaria, falta de educação, sacou? A senhora pode falar o que quiser, o negócio é o seguinte, tem gente aí cagado. É só se retirar que o lance volta ao normal. Entendeu, senhora? Ela se impressionou com a reação dele. Era muito entusiasmo para ser mentira. Ela se aproximou. Fez um elogio bem próximo dele. Um rápido futum desgraçado rompeu como um foguete para dentro do seu nariz. A mulher deu dois passos para trás. Encarou o funcionário. E não parou mais de falar.
- É ele! O cagado tá aqui! Olha, gente, o cagado tá aqui, os estudantes ressentidos pelo esporro que tomaram, abandonaram seus livros e caíram em cima dele como um corredor polonês. Foi escurraçado para fora da biblioteca. Caiu sentado no chão. Zuniram um livro em sua direção. Levou uma pancada na cabeça. Desmaiou com o Kafka por sobre seu corpo.




Nenhum comentário: