quinta-feira, 17 de julho de 2008

UM SINAL

Invadiu o sinal com suas habilidades circenses. Recolhia dinheiro mais por tradição. Queria muito o exercício. A grana dava para o pão com mortadela diário e a prática, ele sabia que poderia levá-lo a perfeição. Não se importava com as caras emburradas daqueles que não o compreendiam. Sabia que seria muito difícil de se livrar do velho estigma. Drogado, viado e ladrão. Não estava ali para levantar essa bandeira, apenas cumpria com seu ritual de trabalho. Aprender silenciosamente. Uma vez recebeu uma nota de cem reais. Espantou-se. Estava acostumado com moedas, mas aceitou e correu para o abraço. A molecada viciada da esquina começou a sacar o artista. Mesmo sendo pouco, um dia de trabalho conseguia lhe render boa renda. O suficiente para despertar o interesse dos pivetes, habilidosos em transformarem qualquer coisa em pó. Seguiu sua rotina. Contou o dinheiro faturado. Comprou pão, mortadela e um refri. Foi para sua casa. Cortou caminho pela campinho de futebol. Já era tarde da noite. Tudo deserto. Os trombadinhas o abordaram. Sacudiram o artista legal. Toda sua roupa vasculhada. Não sobrou uma moeda. Se mandaram. O menorzinho ficou. Foi o único que não o agrediu, apenas olhou de longe. Ao ser abordado, o artista especulou que não tinha mais nada.
- É díficil? Disse o menino interessado nos malabares.
- É só praticar, respondeu o artista e imediatamente pegou os pinos e mostrou como se fazia. Ficaram ali um bom tempo. O menino aprendeu o básico. Se divertiram muito.
- Quer jantar lá em casa? Perguntou o moleque.
- Tô faminto, disse o artista e assim foram embora. Dividiram meia bisnaga com manteiga debaixo da ponte. O menino praticou a noite toda. No outro dia foram para o sinal. Na outra semana estavam em outro estado. No outro mês estreiaram um espetáculo em um país vizinho, de fronteira. Nunca mais passaram apertos.




Nenhum comentário: