- Me dá um careta? – ela disse.
Eu não disse nada. Apenas olhei a mocréia de cima à baixo, com aquela cara de nojo. Percebi que aquele tipo de mulher, na verdade, era a realidade de minhas madrugadas. Enfiei a mão no bolso, com pressa, e dei o maço inteiro pra ela. Talvez fosse o pagamento pra me ver livre daquele espírito infeliz. Um depósito de minha alforria.
- Essa noite, não... – Pensei.
Fui em direção ao cara do sax. Sentei-me desequilibrado ao seu lado e arrisquei o refrão - Na madrugada a vitrola rolando um blues... O rasta deu uma leve olhada e piscou pra mim, motivando-me a continuar. Tossi. Fui em busca de um cigarro. Me revirei todo, mas nada.
- O último dei pra baranga – pensei.
Ao final da música, o camarada do sax acendeu um cigarro. Nos olhamos. O cara deu dois tragos e me passou o careta. Tem horas que a gente não precisa dizer nada. A necessidade nos cagueta. Era a hora da troca.
- Aí, vamos trocar umas paradas? Eu disse.
- Tenho só 20, vamos agora. Ele respondeu.
E 20 minutos era o suficiente para dar uma fugida, descer a ladeira, sair da visão da portaria e ficar malocado no canteiro da rua.
- Vai apertando que eu vou batendo. Eu disse.
- Esse aqui é da lata. Ele disse.
- Vi um monte dessas boiando em Saquarema.
- Pegou quantas?
- Nenhuma.
- Cara, como tu deu esse mole?
- Não peguei nenhuma, mas fumei muito delas.
Eu não tinha muito pó. Eram apenas quatro rapas de pirlimpimpim. O resto maldito da noite. O rasta mandou duas de uma vez só. Ficou mudo e mordendo os beiços por uns instantes.
- Pôrra, essa é da boa. Ele disse, engolindo seco.
- Beato Salu. Eu disse.
- Mangueira é foda!
Jogamos conversa fora, enquanto queimávamos um. Os carros passavam bem próximos de nós e apesar de sentirmos a velocidade do vento na cara, não dava para identificar se estávamos dentro do canteiro. Às vezes, o intervalo de um carro para o outro era mais demorado. O som da noite se misturava com as nossas falas aceleradas, cheias de idéias confusas e sem nenhuma ordenação.
- Quer saber, não vou tocar mais pôrra nenhuma! Gritou de repente. Ficamos calados um tempo e logo em seguida começamos a rir. E o cara não parava de repetir:
- Não toco, pôrra...não toco...
Eu entrei na paranóia dele. Fiquei tentando convencê-lo de entrar lá e arrebentar. Parecia até que eu era um grande empresário. Ele se calou. Travado. Viagens. Depois de tanto falar, a onda começou a bater mais forte, a me confundir. Comecei a sentir aquela velha necessidade de sair correndo. Já saí de diversos lugares correndo. Sem dizer nada. Já saí até no meio da fala. Fico imaginando a cara das pessoas que presenciam essa maluquice... Resolvi sair na direção da Boite. Pista de alta velocidade. O canteiro era o limite. Fui firme. Em linha reta. A reta de um alucinado. Olhei pra trás e o cara tava cambaleando no meio da rua. Esse foi o meu parâmetro. Eu não podia estar muito ruim. Corremos risco a todo instante, mas tem vezes que provocamos mais o azar, não acha? Esperei por ele na porta. Tomei uma gelada no camelô. Catei um cigarro molhado no chão. Ainda dava pra matar alguém. O cara chegou. O olho dele parecia pendurado, igual a desenho animado, aqueles com molas. Bufava mais que cachorro pesado após um pique obrigado. Comecei a dar razão à ele e parei de botar pilha pra tocar. De dentro da Boite um grito chama a nossa atenção:
- Ô do sax, já estorou a folga! Era o gerente reclamando seus direitos.
- Vai se fuder! Respondeu rápido e olhou pra mim. Começamos a rir.
Entramos. Formamos uma dupla e resolvemos azarar geral. No meio da pista, uma loira, com um rabo de cavalo deixando à mostra um beija-flor tatuado na nuca, se atracava com uma morena, numa coreografia funk, que mais parecia go-go-girl de boite do Centrão. A morena vestia uma mini-saia branca com uma bota preta até os joelhos e no ritmo da música, ia até o chão, deixando à mostra sua calcinha vermelha. Não era lá nenhum mistério para quem vestia mini-saia branca. Abrimos duas latas de cerveja e não perdemos tempo.
- Dá pra dividir um pouco. Ele disse pra morena, colocando a mão em cheio na sua bunda.
A loira deu um tapa no braço dele, com um reflexo de dar inveja a qualquer carateca.
- Se colocar a mão de novo vai entrar na porrada! Ela disse sem piscar.
- Ôpa, vamos dar uma refrescada, minha loira – Eu disse, pra amenizar.
- Refrescada é o caralho, essa mulher é minha – Disse a morena.
Nada contra, mas se elas eram lésbicas puras, fazer o quê? Tentei tirar o músico dali. Ele não se conformou com a situação e eu já tava vendo a hora dele ficar sem tocar sax por um bom tempo. Além de uma bunda maravilhosa e grande, a morena tinha também tronco e braços gigantes. Não ia prestar.
Fomos para o ambiente de cima. Nos separamos ali. Ele voltou resmungando para o seu ofício. Mesmo reclamando, muitas vezes repetimos tudo aquilo que prometemos nunca mais fazer. Me encostei no balcão do bar e pedi três doses separadas de mel. Comprei três varejos. Entre as doses e os tragos me excitei pensando nas duas sapatas lá de baixo. Uma gargalhada vinda do final do balcão interrompeu minha masturbação mental. Era a baranga que havia me pedido um cigarro.
- Me dá um careta? A mesma frase.
Olhei o relógio na parede do bar. Eram 4:20 da madruga. Derrubei a minha última dose de mel. Fui na direção da mocréia. Peguei o cigarro. Acendi. Olhei para o resto do bar e só vi o balconista me olhando com uma risada sarcástica no canto da boca. Agarrei o braço dela e invadimos o banheiro. Entramos na primeira cabine. Coloquei-a de costas, com a cara apertada contra a parede. Ela nem demonstrou resistência. Esperava por aquilo a noite toda. - Muitas vezes repetimos tudo aquilo que prometemos nunca mais fazer, pensei. E mesmo saindo do zero-a-zero, fiquei com a sensação de não ter sido eu o vitorioso.
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