domingo, 4 de maio de 2008

MADRUGADAS NO ALTO

Subi até o ambiente do instrumental. Apenas velas iluminavam o local. O negão do sax, o mesmo da Carioca, tava mandando por lá. A cara do Melodia. Cabelo rasta, jeans surrado e uma camiseta branca. Simples. O contraste tava todo no sax. Dourado ambição. Só que ali ele recebia cachê. Não dependia dos trocados jogados no case na porta da estação do Metrô. Ao som de Kiko Zambianchi, vários corpos jogados em almofadas coloridas se experimentavam sem nenhum pudor. Apesar de implícito, o odor de sexo se misturava ao cheiro doce de incenso. E mesmo que estivessem se comendo, a cortina de fumaça dos cigarros escondia todas as possibilidades de nitidez. E ninguém queria mesmo ver nada. Um lugar pra dar um tempo e não mais que um. E com sorte, no meio de tantas bocas, mãos, pernas e sexos, - não volto pra casa no zero-a-zero, pensei. Mas eu tava muito louco. Bebi desde às dez da manhã. Churrasco da faculdade. Esses em que todo mundo se libera e bebe e fuma e cheira e até mesmo quem nunca usou nada, aproveita pra se liberar também. Normalmente valem o ingresso da festa. De noite, já tinha subido a Mangueira e no estado em que me encontrava, só voyeur e mesmo assim não por muito tempo. Não conseguia ficar parado no mesmo lugar por mais de 20 minutos. Não queria putaria naquele momento e por uns instantes fiquei de longe, em pé, só observando os vultos sedentos que não paravam de se tocar. Uma baranga fedida a 51 se aproximou de mim:
- Me dá um careta? – ela disse.
Eu não disse nada. Apenas olhei a mocréia de cima à baixo, com aquela cara de nojo. Percebi que aquele tipo de mulher, na verdade, era a realidade de minhas madrugadas. Enfiei a mão no bolso, com pressa, e dei o maço inteiro pra ela. Talvez fosse o pagamento pra me ver livre daquele espírito infeliz. Um depósito de minha alforria.
- Essa noite, não... – Pensei.
Fui em direção ao cara do sax. Sentei-me desequilibrado ao seu lado e arrisquei o refrão - Na madrugada a vitrola rolando um blues... O rasta deu uma leve olhada e piscou pra mim, motivando-me a continuar. Tossi. Fui em busca de um cigarro. Me revirei todo, mas nada.
- O último dei pra baranga – pensei.
Ao final da música, o camarada do sax acendeu um cigarro. Nos olhamos. O cara deu dois tragos e me passou o careta. Tem horas que a gente não precisa dizer nada. A necessidade nos cagueta. Era a hora da troca.
- Aí, vamos trocar umas paradas? Eu disse.
- Tenho só 20, vamos agora. Ele respondeu.
E 20 minutos era o suficiente para dar uma fugida, descer a ladeira, sair da visão da portaria e ficar malocado no canteiro da rua.
- Vai apertando que eu vou batendo. Eu disse.
- Esse aqui é da lata. Ele disse.
- Vi um monte dessas boiando em Saquarema.
- Pegou quantas?
- Nenhuma.
- Cara, como tu deu esse mole?
- Não peguei nenhuma, mas fumei muito delas.
Eu não tinha muito pó. Eram apenas quatro rapas de pirlimpimpim. O resto maldito da noite. O rasta mandou duas de uma vez só. Ficou mudo e mordendo os beiços por uns instantes.
- Pôrra, essa é da boa. Ele disse, engolindo seco.
- Beato Salu. Eu disse.
- Mangueira é foda!
Jogamos conversa fora, enquanto queimávamos um. Os carros passavam bem próximos de nós e apesar de sentirmos a velocidade do vento na cara, não dava para identificar se estávamos dentro do canteiro. Às vezes, o intervalo de um carro para o outro era mais demorado. O som da noite se misturava com as nossas falas aceleradas, cheias de idéias confusas e sem nenhuma ordenação.
- Quer saber, não vou tocar mais pôrra nenhuma! Gritou de repente. Ficamos calados um tempo e logo em seguida começamos a rir. E o cara não parava de repetir:
- Não toco, pôrra...não toco...
Eu entrei na paranóia dele. Fiquei tentando convencê-lo de entrar lá e arrebentar. Parecia até que eu era um grande empresário. Ele se calou. Travado. Viagens. Depois de tanto falar, a onda começou a bater mais forte, a me confundir. Comecei a sentir aquela velha necessidade de sair correndo. Já saí de diversos lugares correndo. Sem dizer nada. Já saí até no meio da fala. Fico imaginando a cara das pessoas que presenciam essa maluquice... Resolvi sair na direção da Boite. Pista de alta velocidade. O canteiro era o limite. Fui firme. Em linha reta. A reta de um alucinado. Olhei pra trás e o cara tava cambaleando no meio da rua. Esse foi o meu parâmetro. Eu não podia estar muito ruim. Corremos risco a todo instante, mas tem vezes que provocamos mais o azar, não acha? Esperei por ele na porta. Tomei uma gelada no camelô. Catei um cigarro molhado no chão. Ainda dava pra matar alguém. O cara chegou. O olho dele parecia pendurado, igual a desenho animado, aqueles com molas. Bufava mais que cachorro pesado após um pique obrigado. Comecei a dar razão à ele e parei de botar pilha pra tocar. De dentro da Boite um grito chama a nossa atenção:
- Ô do sax, já estorou a folga! Era o gerente reclamando seus direitos.
- Vai se fuder! Respondeu rápido e olhou pra mim. Começamos a rir.
Entramos. Formamos uma dupla e resolvemos azarar geral. No meio da pista, uma loira, com um rabo de cavalo deixando à mostra um beija-flor tatuado na nuca, se atracava com uma morena, numa coreografia funk, que mais parecia go-go-girl de boite do Centrão. A morena vestia uma mini-saia branca com uma bota preta até os joelhos e no ritmo da música, ia até o chão, deixando à mostra sua calcinha vermelha. Não era lá nenhum mistério para quem vestia mini-saia branca. Abrimos duas latas de cerveja e não perdemos tempo.
- Dá pra dividir um pouco. Ele disse pra morena, colocando a mão em cheio na sua bunda.
A loira deu um tapa no braço dele, com um reflexo de dar inveja a qualquer carateca.
- Se colocar a mão de novo vai entrar na porrada! Ela disse sem piscar.
- Ôpa, vamos dar uma refrescada, minha loira – Eu disse, pra amenizar.
- Refrescada é o caralho, essa mulher é minha – Disse a morena.
Nada contra, mas se elas eram lésbicas puras, fazer o quê? Tentei tirar o músico dali. Ele não se conformou com a situação e eu já tava vendo a hora dele ficar sem tocar sax por um bom tempo. Além de uma bunda maravilhosa e grande, a morena tinha também tronco e braços gigantes. Não ia prestar.
Fomos para o ambiente de cima. Nos separamos ali. Ele voltou resmungando para o seu ofício. Mesmo reclamando, muitas vezes repetimos tudo aquilo que prometemos nunca mais fazer. Me encostei no balcão do bar e pedi três doses separadas de mel. Comprei três varejos. Entre as doses e os tragos me excitei pensando nas duas sapatas lá de baixo. Uma gargalhada vinda do final do balcão interrompeu minha masturbação mental. Era a baranga que havia me pedido um cigarro.
- Me dá um careta? A mesma frase.
Olhei o relógio na parede do bar. Eram 4:20 da madruga. Derrubei a minha última dose de mel. Fui na direção da mocréia. Peguei o cigarro. Acendi. Olhei para o resto do bar e só vi o balconista me olhando com uma risada sarcástica no canto da boca. Agarrei o braço dela e invadimos o banheiro. Entramos na primeira cabine. Coloquei-a de costas, com a cara apertada contra a parede. Ela nem demonstrou resistência. Esperava por aquilo a noite toda. - Muitas vezes repetimos tudo aquilo que prometemos nunca mais fazer, pensei. E mesmo saindo do zero-a-zero, fiquei com a sensação de não ter sido eu o vitorioso.






Nenhum comentário: