quinta-feira, 15 de maio de 2008

É PEGAR OU LARGAR

Acordei decidido a conseguir um trabalho. No dia anterior pesquisei em vários jornais. Fiz algumas escolhas. Todas sub-emprego. Nada que me oferecesse motivação pra galgar um espaço melhor na sociedade. Cheguei cedo no local marcado. Coloquei a melhor roupa, quer dizer, meu tradicional jeans e minha camisa preta surrada. Parei na porta da loja. Merecia terminar meu cigarro. Até mesmo porque eu estava me sentindo à caminho da crucificação. Nunca quis ser vendedor, embora tenha tradição na família. Acredito que minha passagem familiar teria sido menos conflituosa se eu fingisse gostar dessa tal profissão. Foda-se. Cansei de largar trabalhos pela metade. De abandonar jornais pela rua. De arremessar tabelas de preços pela Pedra do Arpoador. E te garanto que não tem sensação melhor. Um mergulho no mar após uma arremessada de tabela. Enfim, mais uma vez tive que recorrer a esse trampo. Pelo menos, por um tempo, eu iria sustentar meus vícios. Na entrada do escritório dei de cara com uma gostosa, que nem desviou a atenção de suas unhas. Cocei a pica, coloquei pra fora e a mulher nem percebeu. Completamente desligada e fútil. Algo que provavelmente eu iria me transformar, se continuasse naquela empreitada. Em seguida apareceu um homem alto, com bigodes grandes, cópia fiel do Leôncio do Pica-pau. - Você deve ser o Marcelo, disse e foi logo me abraçando. Cara, abraço demoníaco, pensei. Lógico, eu era mais um parafuso daquela engrenagem que acabara de chegar na empresa pra obter muito lucro pra eles. É isso. Por mais que eu estivesse cheio de boas intenções, eles nunca deixariam eu vencer. A vida é assim. Quem tá lá em cima, continua saboreando a vista dos fudidos que imploram migalhas lá embaixo. E nesse caso, embora eu não estivesse implorando migalhas, sem dúvida alguma eu era mais um fudido. Ele me disse como funcionava a empresa. Eu disse que voltaria no outro dia e me mostrei todo motivado. Sempre fui bom na arte de representar. E falo sem pensar no fato de eu ser ator, não, representar, mentir descaradamente e principalmente aprendi com excelência a ser vaselina. Culpa de meu pai, que foi vaselina comigo a vida toda. Recebi a tabela de preço. Incrivelmente consegui um vale. Acreditem, no primeiro dia eles me deram um vale para as passagens. Saí, sem me despedir da vadia fútil da recepção e peguei o primeiro ônibus em direção ao Arpoador. Sentei na pedra e babei a molecada pegando onda. Encontrei uns malucos e dei uns tapas. Deitei. Mas estava arisco, pois se pegasse no sono poderia rolar pedra abaixo. Veio o pôr do sol. Que benção! Me lembrei de todo o diálogo daquele gerente de loja. Senti náuseas. Sentou ao meu lado uma maluca completamente chapada. E o pior, cismou de me alugar. - Ei, sabia que eu faço previsões, ela disse. Eu apenas olhei. Tentei encontrar algo de tesão nela, mas era baranga mesmo, sei lá, de repente...poderia ser a salvação do fim do dia. - Cara, tu merece muito mais do que tu imagina, sabia? Ela disse. Pôrra, meu, como é que ela sabia disso? Parecia que tava lendo minha mente. Me disse algumas coisas bem legais e aos poucos eu fui me entrosando e me deixei seduzir pelas suas idéias. Do nada ela resolveu dar um mergulho. Cara, ela mergulhou numa quebrada que era super tranquila, mas desapareceu. Eu avaliei tudo que ela me disse. Olhei para o visual convidativo do Arpoador. Encarei com raiva aquela tabela de preço e em seguida não pensei duas vezes. Arremessei a tabela e fiquei só observando a desgraçada boiar naquele mar maravilhoso do Rio de Janeiro. Arranquei a camiseta e me joguei na água. No outro dia eu tava na primeira página do principal jornal de circulação. Isso mesmo, depois de voltar da água e de dar mais alguns tapas pela praia, acabei parando em frente à um gigantesco boto que acabara de ser resgatado em plena praia. Morto. E cheio de repórteres registrando o seu triste fim. Eu me sentia assim. Resgatado. Em plena praia. Tão morto quanto o boto, pois sabia que no outro dia eu iria pegar novamente o jornal e novamente iria buscar uma merda de um trabalho qualquer. E novamente iria parar naquela praia. E os dias não me dariam trégua pra pensar. Os dias não nos dão trégua nem pra tentar. A vida é de uma única chance. É pegar ou largar. Tenho largado muito mais...



Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado