sexta-feira, 30 de maio de 2008

PARANÓIA CONTAGIANTE - PARTE I

Minhas noites continuam as mesmas há vários meses. Chego em casa, tomo banho, preparo três sanduíches de pão com queijo e presunto, na frigideira, deixo tostar até quase ficar queimado. Entro no quarto refrigerado, com mais dois ventiladores ligados. Chego até a sentir frio, mas não desligo nenhum aparelho. E não é desculpa por morar no norte do país. Já é um hábito que trago do sudeste. Gosto de testar limites.
Eu me jogo na cama confortavelmente, com os pés dobrados pra não deixar a bandeja cair com meu lanche e prontamente começo a devorá-lo como um parasita há dias sem comer. Junto à comida eu trago um copo gigantesco de uma água gaseificada qualquer, não importa o gosto ou a marca, a sensação do gás nas paredes da bochecha é que me atraem mais. E gelo. Muito gelo. Brinco com as pedras no bico da boca até não agüentar mais a queimação. Gosto de testar limites. Corpo estirado na cama. Barriga inchada impedindo a visão completa da TV. É nessas horas que os olhos começam a pesar demais e eu resisto, eles chegam a completar um fechar dos olhos, mas eu resisto e insisto em mantê-los abertos. Esse processo todo dura apenas alguns minutos. A luta é em vão. Mas gosto de testar limites.
Morei durante muitos anos na cidade grande e sempre em edifícios. Hoje eu moro em uma casa, em uma cidade pequena. A violência nas grandes metrópoles chegou a tal ponto que a sociedade me parece que desistiu de resistir e protestar. A banalização dos fatos já faz parte do cotidiano. Em poucos segundos as notícias aterrorizantes dão espaço para uma outra tão aterrorizante quanto, que não temos nem tempo de refletirmos sobre a gravidade do problema anterior. E mesmo assim achamos que nunca irá acontecer conosco. A verdade é que em cidade grande ou pequena, ninguém está seguro porra nenhuma.
Trago um hábito da região sudeste que não consigo me desvencilhar: a paranóia. Isso mesmo, todas as noites antes de deitar eu faço a ronda tradicional, igual a um cachorro que percorre ávido os muros de seu território e azar de quem ou o que cruzar o seu caminho. Minhas madrugadas tem sido assim. Vou até o escritório e olho a janela. Passo pela sala, ainda vazia, sem móvel nenhum, o que dá um toque de solidão constante e arrisco um olhar pelas janelas. Parece que não moro ali. Vou até a ante-sala e vigio a janela por uns instantes. Está tudo calmo. Entro na cozinha e com a luz apagada percorro todo o comungol, que vai de uma ponta a outra da parede e me dá toda a visão do fundo do terreno. Ali avisto duas mangueiras com frutos deliciosos. Os dois depósitos, que de dia meus cachorros se refugiam para descansar, também estão à vista. E ainda três terrenos vizinhos, que não dá pra ver muita coisa. A princípio parece tudo normal. Fico muito impressionado com as histórias que ouço de pessoas que tiveram suas casas invadidas pelo forro e com isso vou olhar também a passagem que dá para o telhado. E tudo normal.
Apesar de tudo estar bem, no fundo mesmo tenho sempre a sensação de querer ser surpreendido com alguma tragédia, talvez para colocar a minha existência no patamar da minha realidade. Às vezes a vida apronta dessas para que eu valorize o que sou e o que tenho.

CONTINUA...

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