sexta-feira, 30 de maio de 2008

PARANÓIA CONTAGIANTE - PARTE III

Percebi que o casal discutia e pelo excesso de gestos não devia ser por besteira. O homem estava com as mãos nos cabelos longos da mulher e seus gestos eram os mais agressivos possíveis. A mulher tentava se esquivar, mas ele era mais forte. Embora eu tenha ouvido o grito seco dela, não dava para entender o que eles estavam discutindo. Fiquei ali, em pé, ainda por mais alguns minutos, até que desisti e no exato momento que resolvi ir embora, dei uma última olhada e vi que a briga ficou mais agressiva. A mulher, que quase conseguiu escapar, foi agarrada com mais força pelos cabelos. Rapidamente o homem levantou um braço e sem mesmo eu perceber o que ele tinha em mãos, começou a golpear o pescoço da mulher. De cima para baixo. Pelo menos umas seis vezes, até ser interrompido pelo meu grito, que não sei bem explicar, mas me pareceu involuntário. O homem imediatamente olhou para frente. Não largou a mulher. Não parou de golpeá-la. Ela, que a princípio se debatia toda, a cada golpe reagia menos. Fiquei mudo. Minha mulher assustada com meu grito e com os latidos dos cachorros se levantou. Veio na direção da cozinha e acendeu a luz:
- O que foi isso? – disse ela, assustada. Nesse momento o agressor olhou para direção de minha casa.
- Apague essa merda! - gritei com minha esposa, que logo apagou a luz.
- O que está acontecendo? – ela disse.
- Cala essa boca! – eu disse desesperado. Voltei para o comungol. Ela também veio olhar e não parava de me questionar. A cena havia desaparecido na madrugada. Voltamos para o quarto.
- Eu acabei de ver uma mulher ser esfaqueada – eu disse, sentando-me na cama.
- Você tá de sacanagem... – ela não acreditou – você precisa parar de comer tanto à noite.
- Mas é verdade... – eu insisti.
- Barriga cheia dá pesadelo – ela disse – por que você não pára com essas suas rondas noturnas? Isso tá te deixando cada vez mais paranóico.
Resolvi dormir. Sabia que a casa estava toda trancada e que ali estávamos protegidos. Estava com muita raiva. Medo. E de tanto ela falar, dúvida. Sei lá, não é à tôa que a madrugada tem o poder de alimentar as mais famosas histórias de suspense e terror que permeiam a nossa vida.
No outro dia, sem tocarmos no assunto, saímos para trabalhar. Como de costume, sempre colocamos água e comida para os cachorros. Eu sempre coloco a água, pois comigo eles não ficam pulando. Peguei a vasilha, a enchi e fui com os cachorros até o fundo do quintal. Deixei a vasilha no chão, fiquei observando os pequenos matando a sede e desviei meu olhar para a parede, sabia que o outro lado havia sido o cenário daquela tragédia. Eu não tava louco. Eu sabia muito bem o que tinha visto. Me aproximei do muro. Bem próximo da parte de cima havia uma mancha vermelha escorrida e seca, bem à vista. Pronto, eu não estava maluco e nem paranóico. Era a prova que eu precisava para mostrar a minha mulher que tudo que eu havia lhe contado era verdade. E que, inclusive, poderíamos estar correndo risco. Voltei para buscá-la e chegando próximo da porta aquele mesmo grito de ontem. Seco. Agora vinha de dentro de minha casa. Corri desesperadamente, os cachorros se assustaram e fugiram para dentro do depósito. No caminho, pensei nas piores imagens e quando entrei na cozinha, vi minha mulher agachada no canto da parede, com uma cara transformada. Completamente congelada e olhando na direção do armário que guardamos a comida dos cachorros.
- O que foi, amor?! – perguntei completamente confuso. Ela somente conseguia apontar para o armário. Sem coragem, mas sabendo que precisava ir até lá, me aproximei. De perto dava para perceber uns fios de cabelos pretos do lado de fora e um filete de sangue grudado no chão. Abro mais um pouco a porta e então...
Mais uma noite, começo a minha ronda às onze horas. A próxima será às onze e meia. Estamos agora dividindo a noite em turnos de meia em meia hora. Às vezes ficamos os dois acordados, cada um de um lado da casa e do jeito que está ventando hoje, parece que a madrugada vai ser longa...


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