segunda-feira, 26 de maio de 2008

UMA AVENTURA QUALQUER

Desci o barranco. Apesar de curto, derrapei nas minhas pernas bêbadas. Caí de cara no chão. De bunda pra cima. Igual ao Napoleão. Avistei um pouco mais à frente, um grupo de punks de periferia. Tava o maior tumulto na situação. Me aproximei devagar. Talvez devagar demais. Um careca gordão me observou como suspeito. Bateu pra rapaziada, que em pouco tempo já tava me cercando. – Tô afim de uns lances, disse, assustado. – Qual é de lance, meu irmão? Com essa cara de patrulha? Aí, geral nesse otário! Ordenou pro grupo todo. Logo me vi como se estivesse dentro de um liquidificador. Jogado pra tudo quanto é lado e sem o menor carinho. – Quem te mandou aqui, brother?, falou completamente irritado o magrelo que parecia ser o tal da quebrada. Eu nem conseguia reagir. Nem esboçar uma palavra de maior compreensão. – Chega! Um grito rouco, ao longe, interrompeu o massacre. Um silêncio cheio de expectativas e interrogações tomou conta da bocada. Por uns instantes percebi uma oportunidade de fugir dali. Todos olhavam em direção da voz rouca. Olhei para os lados. – Se não for agora, tô fudidinho da Silva, pensei, olhando mais à frente, em uma vácuo de chance que surgiu. – Se continuar, vou separar teus membros por toda a periferia, gritou a voz rouca. Imediatamente parei. Fiquei um tempo de costas. Sem coragem nem pra ver o esboço da face do cara. – Que porra é essa? É só eu sair que essa merda vira palco de espancamento? Gritou a voz. E ela não parava. Olhei pra trás. O cara da voz rouca me encarou. Não era amigável. – E aí, meu irmão!, falei sem graça e confesso que apesar de sentir muita vontade de falar, não tinha a menor idéia do quê. E me parece que a minha escolha não foi a das melhores. – Alguém me diz o que foi isso? Hein? Será que alguém pode me explicar que porra foi essa? Que merdinha é esse? Vamos! Falem!, falou com raiva. O cara é que era o tal. Ninguém se aventurou. Ninguém respirava. E o cara da voz se aproximou. Encarou um de cada vez. Um babaca metido a esperto ensaiou uma palavra. Levou um socão de mão fechada. Cuspiu dentes pra tudo quanto é lado. – Então, já que ninguém te apresenta, qual é a tua?, terminou a frase, enfiou a mão no bolso de trás da calça e puxou uma faca. Com a outra mão pegou um lenço e aguardou minha resposta com uma bela faxina na arma. Eu não sabia o que dizer. Não parava de pensar naquela dose de mel. Já tava de cara com aquela situação toda. O cara tava lá, à espera de minha resposta. – Quer mais incentivo?, falou com a voz baixa, intimidadora. - Só tava na área e...fiquei sabendo que aqui tinha umas paradas... – Meu irmão, tu tem cara de patrulha!, disse e em seguida todo mundo começou a berrar em coro, - É isso mesmo! Mata esse filho da puta! Vamo cumer o cú dele! É... e depois vamos esquartejar o cara..., deram muitas risadas. O chefão da quebrada interrompeu a alegria. – Alguém aqui perguntou o que ele queria?, gritou. Não obteve resposta. Então como é que vocês acham que ele é de lá - apontou ao longe -, se vocês nem ofereceram as parada?, falou. Todo mundo refletiu. – Isso mesmo, ninguém me perguntou o que eu queria, falei meio gaguejando de medo. – Preto ou branco, meu irmão?, o chefão me perguntou na lata. - Eu quero dos dois. O preto é pra mim. O branco pra minha mulher, argumentei com ele. – Tão vendo aí? O cara é cliente, não é patrulha porra nenhuma. Cabeça! Trás uma barra de chocolate branco e uma outra de preto, gritou para um sujeito com um enorme cabeção e continuou. – O chocolate tá em falta. A patrulha tá rondando porque eles sabem que nós roubamos algumas caixas lá no campão de futebol. É nosso sustento, sabe como é... – Sei –continuei a lhe falar – eu e minha mulher somos fissurados em chocolates. Todos os dias nós comemos, pelo menos um batom. É dose diária, sacou?, disse à ele. – Toma aí. Agora que já pegou seu barato, vaza! Disse e foi dando as costas. Já partiu pra articular com o grupão. Aproximou-se um caminhão na via. O grupão se espalhou como ratos dentro da toca. Por todos os cantos apareciam armas. Um gata de cabeça verde foi pra pista e deitou no chão. Um casal canastra ficou à beira da estrada e pediu ajuda. O caminhão estacionou ao lado. Sem nem o cara perceber um tremendo ataque soviético detonou toda a mercadoria dentro dele. Várias caixas foram empilhadas na quebrada. Os viciados se aproximaram. O chefão não perdeu tempo. Abriu a primeira e tirou de dentro um monte de caixas de prestígio. Pensei até em voltar. Me amarro em prestígio. Mas não quis arriscar o que eu tinha comprado. E além do mais, até chegar em casa, ainda iria passar por maus pedaços pra me despistar da patrulha. A patrulha dos chocolates.



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