sábado, 25 de setembro de 2010

TOCA-FITAS PARA O INFERNO

O feriado de Finados sempre arrastava um monte de malucos para Saquarema, Terra do Surf, no litoral do Rio de Janeiro. Em épocas de férias e feriados prolongados a malucada zarpava para as cidades litorâneas do Rio. E a Região dos Lagos era o lugar ideal. Quem não tinha grana, acampava na praia e passava os dias empapuçado de miojo. Nesse dia dos mortos de 87, os que estavam mais vivos do que nunca resolveram partir para lá. A concentração foi marcada na portaria do Cabeça. Russo, o dos cabelos amarelos e completamente sem noção, acabara de comprar uma Kombi. Estava decidido a ganhar uma grana extra, quer dizer, não tinha emprego e muito menos trabalho fixo, mas sempre dava os seus pulos pelo bairro. Nunca ficava duro, mesmo que para isso tivesse que partir para a ilegalidade. Resolveu que iria vender batidas em Saquarema. No dia anterior, invadiu a Favela de Manguinhos e comprou 10 garrafões de cinco litros de batidas variadas. Em seguida, parou no mercado e sacou 20 garrafas de cachaça. Da mais barata. Ficou duro. Foi para o fundo do quintal e preparou a mistura. Transformou os 10 garrafões em 70 litros. Pura bomba alcoólica. Reuniu uma turma esquisita, recolheu a grana da rapaziada para a gasolina e partiram rumo à Região dos Lagos. A viagem foi o terror. Saíram na madrugada do feriado. Estrada lotada, um puta de um engarrafamento e um sol de 40 graus. Nelinho, o mais velho da turma e viciado até em sal de fruta, acendeu um baseado atrás do outro. Ficaram loucos. A Kombi seguia em direções tortas. Depois de Niterói rolou uma blitz. Foi um desespero geral. Os garrafões estavam cobertos por um cobertor imenso e com todas as mochilas amontoadas. Alguns deitavam por cima, só de disfarce. Nenhuma armação foi suficiente para evitar que fossem parados. A barreira policial mandou todo mundo descer. Eles saíram do carro bem devagar, quase em câmera lenta de tanta maconha. Mostraram os documentos, pouparam as falas e foram liberados. Sorte que não foram solicitados a andar em linha reta. As autoridades nem olharam dentro da Kombi. Russo não tinha nota fiscal das bebidas e na certa levaria um baita de um prejuízo. Pegaram a estrada e sempre na maior fumaça. Chegaram em Saquarema com uma nuvem sobre o carro, quase de noite, devido ao trânsito intenso. Não tinham lugar certo para dormir e partiram para a praia. Estacionaram o veículo próximo de um monte de barracas, desceram e armaram as suas. A noite foi de lucro para Everton, o Russo. Vendeu tudo o que levou. Em apenas uma noite. Mas ele queria mais. E sem bebidinhas, inflamou a turma para que invadissem os carros do estacionamento da cidade. O centro estava lotado e só era permitido parar o carro antes da ponte. Uma imensidão de veículos sem nenhum guardador por perto. Nessa época, os toca-fitas valiam uma grana legal nas bocas-de-fumo dos subúrbios do Rio. Os seus amigos toparam a parada na hora. Todos eram ladrões, roubavam para patrocinar suas noites de loucura, orgias com prostitutas, travestis da Lapa e pranchas de surf zeradas. Saquarema, sem policiamento, era fichinha, prato cheio para encherem os bolsos de dinheiro e com certeza já sonhavam com as festas que fariam na volta à Cidade Maravilhosa. Esvaziaram as mochilas e partiram para o ataque. Foi um derrame geral. Abriram carros, quebraram vidros, estouraram painéis... A facilidade foi tanta, que eles deram mole, se descuidaram da segurança. Os que estavam escalados para a guarda, diante de tanta tranquilidade aparente, largaram seus postos e também começaram a quebrar as janelas. As mochilas já estavam lotadas quando apareceu uma joaninha, com dois guardinhas dentro. Faziam plantão bem do outro lado da ponte. Estacionaram. Assustaram-se com o barulho. Olharam em volta, mas não viram nada. Ficaram grilados. Quando já estavam de saída, ouviram outro barulho de vidro espatifado. Resolveram dar uma conferir. Entraram no estacionamento. Não queriam dar bobeira para o azar. Manja balão, um negro com os olhos virados, quase vesgos e sem nenhuma responsabilidade na cara, havia acabado de meter o pé no vidro de um Passat invocado. Rodas de magnésio, rebaixado, todo no estilo, na certa encontraria ali um toca-fitas da hora. O barulho atraiu os guardinhas. Ele chegaram próximo e viram um carinha com a metade do corpo dentro do carro. Sacaram o apito e mandaram ver. Manja balão ficou apavorado, tentou sair de primeira do veículo e nada. Ficou agarrado. O policial segurou a sua perna. Era uma cena isolada, já que os outros comparsas estavam bem longe, do outro lado do estacionamento. A polícia cercou o local e desovou o ladrão no final da praia de Itaúna. Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu. Ninguém sabe a razão da morte do Manja Balão. Everton nunca mais tocou no assunto. Dois meses depois ele morreu. De acidente de moto. O povo do bairro diz até hoje que a vida cobra... será?





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