sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

APENAS UM BLUES E UMA PAREDE PICHADA

(Duas jovens de classe baixa no cemitério. Free sonha em ser uma artista das tintas e Black uma cantora de Blues. Elas resolveram botar um ponto final em suas histórias)

FREE – Do que você acha que eles morreram?
BLACK – (tira a poeira da lápide do túmulo que está sentada) Essa aqui é... Elizabeth Avelar... nome de gente rica... Deve ter sido uma dessas mesquinhas que não conheceu muito entre o salão de beleza e a clínica de cirurgia plástica. (elas riem bastante). Não, é sério, pobre não coloca o nome da filha de Elizabeth. É sempre a porra da Maria. Maria e seus complementos. Acredita que a minha tia, que se chama Maria do Socorro colocou o nome da filha de Maria da Consolação? Cara, foi uma tremenda sacanagem com a minha prima, Socorro...Consolação...é tudo muito piedoso.
FREE – Eu não sei não, pra mim, pobre é que tem mania de colocar nomes estrangeiros em seus filhos. É influência do cinema, do capitalismo, de toda essa porcaria que enfiam na nossa cabeça e nos convencem aos poucos de que tudo que vem de fora é melhor do que o nacional.
BLACK - É, então estamos diante de uma exceção, porque essa Elizabeth aqui devia ter muita grana.
FREE – Como é que você sabe?
BLACK – Olha o formato das letras, Free. Você anda muito desatenta com os detalhes. Estão inclinadas, foram feitas à mão. Deve ter sido encomenda. Isso é trabalho de artista. Em lápide de pobre as letras são retas e frias. Normais demais. Assim como suas vidas.
FREE – Não tinha pensado nisso. Olha o tamanho do túmulo. O cadáver deve tá bem a vontade aí dentro. Pobre faz na medida certa (riem). Mas eu ainda tenho as minhas dúvidas quanto a classe social da nossa amiga Beth. Pobre adora esses estrangeirismos, William, Fred, Stefanny, se dermos uma boa vasculhada vamos perceber que a maioria dos nomes estrangeiros pertencem às classes mais baixas. (Pausa) Se bem que, qual família rica enterraria seu ente querido num cemitério da periferia?
BLACK – Aquela que sempre quis distância dele em vida.
FREE – Deve ter sido suicídio. Por isso enterraram ela bem longe, a família deve ter morrido junto de tanta vergonha. Suicídio, Black...
BLACK – Deixa de besteira! Combinamos que não iríamos falar sobre isso, pelo menos não desse jeito.
FREE – Nós não seremos enterradas aqui, Black. Vão nos transferir pro outro lado da cidade.
(pausa)





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