sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

OS RESTOS DA HISTÓRIA QUE EU NÃO CONTEI

Essa semana comecei a escrever um outro livro. Não tenho nenhum publicado. Ainda. O meu primeiro livro chama-se O DESGASTE DO TEMPO NOS DENTES, são contos curtíssimos e alguns poemas. O de agora chama-se OS RESTOS DA HISTÓRIA QUE EU NÃO CONTEI. Não é um romance. Como diz o título, são apenas restos da história que eu não contei. A Merda do Infarto é uma delas.


A MERDA DO INFARTO

Decididamente as lâmpadas não estavam lá para isso. Elas apenas iluminavam os caminhos muitas vezes tortuosos dos moradores do cabeça. O momento certo de iluminar o prédio nunca passava das seis da tarde. E o porteiro não vacilava nunca. Mas os meninos jogavam bola pelos corredores depois de avançada essa hora. Os pais não permitiam, mas eles sempre conseguiam burlar essas regras e os vizinhos detestavam aquele tumulto todo pelos andares do edifício. O problema todo não era apenas porque eles batiam a bola com a maior estupidez pelas paredes do corredor, o que produzia um imenso barulho detestável para os outros. O pior de tudo eram os chutes no coco, que eles sempre apostavam e vencia quem acertava a cabeça do outro parceiro que estava a certa distância. E sempre após acertar a cabeça, a bola não tinha outra direção. Quebrava em cheio uma lâmpada. As reclamações continuaram sem parar. Os responsáveis pelos meninos não sabiam mais o que fazer. Nenhum esporro era capaz de endireitá-los. Mister, um moleque da pá virada, que mesmo inconsequente aos extremos, sempre conseguia ajeitar as piores situações e que havia acabado de consertar a besteira sinistra de sua amiga, que diante do maior grau alcoólico caguetou todos os segredos dos moradores na última Festa de Fim de Ano, nem ele não sabia o que fazer para espantar o mau-humor de toda a comunidade do Cabeça. Numa noite de segunda-feira do mês de janeiro a merda fedeu. O primeiro dia após a virada do ano. Todos os adultos estavam despedaçados de tanto encherem a cara, já virados há mais de três dias em comemorações de deixarem Baco morrendo de inveja, mortos de cansados e revoltados com a volta da rotina maldita. Mesmo diante de tanto cansaço, o síndico, Sr. Cabral, um pastor viúvo, de 60 anos e que costumava, na encolha, promover sessões de descarrego sexual em sua casa e somente para as menininhas mais novas de sua congregação, conseguiu reunir um grupo de pais obcecados e loucos pelo silêncio noturno. Partiram decididos para o 3º andar, onde estavam os meninos quebradores de lâmpadas. O espôrro foi geral. Sobrou até para quem abrira a porta para fofocar. Os adultos confiscaram as duas bolas dos meninos. Não teve jeito. Não dava para peitar os pais enfurecidos. O silêncio só não retornou de imediato porque o grupo de garotos começaram a discutir sem parar. Ninguém ali estava satisfeito com tamanho ato repressivo. Nem puderam dialogar. Quesada, o mais ignorante de todos, agressivo por natureza e que dedicava horas debruçado na janela matando os pombos cagões que pousavam no telhado, gostava muito da brincadeira de bola, principalmente da parte em que mirava a cabeça dos colegas. Ele se deliciava em acertar todas as suas boladas e já tinha no seu currículo o coco de todos os participantes dessa brincadeira. Ele era o tipo do cara que se não tivesse matando pombos ou acertando com a bola as cabeças dos vizinhos, na certa poderíamos encontrá-lo na garagem do prédio promovendo carniça e baixando a porrada nas costas dos outros garotos, enfim, ele era o terror do edifício. Estava decidido que aquilo não poderia acabar daquele jeito e assim começou a inflamar seus colegas. Ninguém tinha alguma ideia decente e que pudesse humilhar de vez o tal síndico, o tal que promoveu o ato repressivo contra eles. Quesada, que antes de começar o jogo havia lanchado três sandubas de pão com banana, e peidava mais do que cano de descarga de fusquinha 72, teve a brilhante ideia de surpreender o chefe do prédio com uma bandeja de papel lotada de merda. O plano era simples. Ele iria cagar numa folha de jornal e colocariam a bosta bem na porta do repressor. Tocariam a campainha e sairiam correndo. Todo mundo morreu de rir. Uns o chamaram de doido, outros correram para suas casas para beberem água, pois a gargalhada não cessava e depois que todos retornaram, Quesada perguntou, - então, é ou não é um ótimo plano? E antes mesmo que todo mundo começasse a rir novamente, ele já foi logo para o canto do corredor, local onde não passava ninguém, apenas o morador do apartamento 301 e que estava vazio fazia anos. Colocou um pedaço de jornal no chão. Pediu para os outros vigiarem e mandou um cagadão bem servido. O lanche fez tanto efeito que a bosta sobrou pelas beiradas do papel e ainda rolou pelo chão uns bons pedaços de seus restos fedidos. Quando saiu uma banana inteira, a molecada não aguentou, caíram novamente na gargalhada. Passado o momento engraçado, ele limpou-se com uma sobra do papel e perguntou, - quem é que vai levar até lá? Vai ser preciso pelo menos quatro pessoas, um em cada beirada... o silêncio tomou conta. Ninguém estava disposto a acompanhar até o 2º andar aquela belíssima obra-prima do Quesada. Tiraram no palitinho a má sorte. E os escolhidos respiraram bem fundo. Sabiam que até o andar de baixo não conseguiriam mais respirar. Pior para Moaca, que estava com o nariz entupido e só conseguia respirar pela boca. Molequinho frágil, magrelo e que em toda troca de estação do ano caía de cama com a garganta inflamada. Ele ainda se recuperava da última recaída, e quase chorando segurou a sua parte do jornal. Caminhou com os outros garotos sem reclamar e na certa, diante de sua dificuldade respiratória, deve ter respirado muita bosta pelo caminho. A turma os acompanhava à distância. O cheiro dos restos do pão com banana de Quesada infestava todo o ambiente em que eles passavam. Os dois andares ficaram fedendo até de manhã. Chegaram bem próximos da porta. Por mais que tivessem combinado o silêncio mortal, não dava para cumprirem tal tarefa sem risos e tapas escandalosos para que os outros parassem de rir. Prepararam-se com calma para aterrisar o jornal carimbado e antes que o presente fosse deixado no chão, a porta se abriu. Não preciso nem entrar em detalhes que a bomba de merda, devido ao susto dos meninos com a surpresa da abertura da porta, voou nos peitos do síndico. A correria foi geral. Sobrou merda para todo mundo, pois na pressa, a bomba respigou para todos os lados. E os garotos sujos na confusão da corrida, iam segurando nos braços dos outros e assim se multiplicava a sujeira. O homem repressor não aguentou tamanha humilhação e caiu duro no chão. Infartou. Mesmo sabendo que a morte pode não parecer uma coisa muito boa, nesse caso, foi a melhor que pode acontecer. De outro modo, se ele não tivesse morrido, com certeza teria matado, no mínimo, uns três moleques daquele prédio. Ninguém soube do acontecido. Da verdade. E até hoje ninguém compreende direito a imagem de um homem infartado, morto, com os peitos cheios de merda.
Dizem que se cagou todo ao ver a Morte bem perto.



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