sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O DOMADOR DE RATOS E POMBOS

acordou assustado com barulhos no forro de sua casa. quase todos os dias era assim. não existia despertador mais eficiente que o tumulto dos ratos em seu telhado. e pombos. ou os dois se matando pelo espaço desejado. pegou uma vassoura e cutucou o teto. fez assim em todos os ambientes. e como sempre, o silêncio retornava após algumas batidas. parecia um verdadeiro domador de ratos e pombos. jogou a vassoura para o lado e deitou-se para mais uma soneca. e foi a vez do despertador alcançá-lo. abriu os olhos. olhou para o celular. olhou para o teto. e riu. sabia que não tinha o controle de coisa alguma. ligou a tv e buscou uma estação de rádio. encontrou Bob Dylan. levantou-se da cama e foi ao banheiro. a cabeça ainda estava com o cérebro em desordem. a ressaca podia ser uma parada bem ruim. também sabia disso, mas nunca nas noites anteriores. de repente o Bob parou de cantar. foi interrompido do nada. todos os dias era sempre a mesma merda. a ausência temporária de luz. isso não era privilégio de almas derrotadas como a dele. o telefone tocou. os cachorros latiram lá fora. os ratos e os pombos recomeçaram a batalha infernal. a luz ía e vinha. Bob parecia um gago. não sabia ao certo o que fazer primeiro. só tinha a certeza de que não era para ter bebido vodka na noite anterior. mas se não o tivesse feito, seria muita informação para colocar a culpa. a birita também servia para isso. gritou para os cachorros. pegou a vassoura e deu uma porrada no forro. atendeu o telefone agitado.
- fala! disse isso em um grito desesperado.
- bom dia, meu senhor, quero falar com Roberto Teles... disse uma voz de mulher, sensual, ele teve a impressão de que ela acariciava alguma coisa. ou pelo menos desejava isso.
- quem tá querendo falar?
- é da tv Altiva. nós queremos marcar uma entrevista com ele sobre sua nova peça.
- é ele.
- tudo bem, seu Roberto...
- não! interrompeu a fala da moça. ela deu uma risada espontânea. pensou ser uma piada, já que ele era artista. as pessoas pensam que todos os artistas são bobos. ela insistiu.
- bem que me falaram que o senhor era engraçado... ele desligou o telefone.
- se ela tivesse acordado comigo hoje, iria ver que não tem nada de engraçado deste lado. pensou alto e foi à varanda ver a razão das latidas demoradas de seus cachorros. tinha alguém no portão. sossegou os seus bichos e ainda de cabelo em pé foi ver o que era.
- bom dia, meu amigo! somos do exército da esperança...falou um grandalhão de cabeça amarela. estava uniformizado, calça preta e camisa branca e trazia um crachá no peito do lado esquerdo. tinha um outro garoto, mais baixo, o mesmo uniforme e com uns óculos fundo de garrafa e que parecia ter engolido o sorriso do Máscara. uma boca enorme e com certeza devia estar com seus dentes à venda.
- bom dia, meu amigão! falou o sorridente. ele encarou os dois pela fresta do portão. os meninos esperaram ele abrir a porta. o que não aconteceu. por alguns instantes ficaram mudos.
- então, o senhor já esteve com Jesus? disse o grandalhão. o outro continuou com o sorriso espontâneo.
- olha, se estive, ele não se apresentou com esse nome. passem outra hora. se ele pintar por aqui eu aviso que vocês estiveram. deu as costas e voltou para casa. os meninos se olharam. acharam esquisito. e foram embora. quando entrou em casa o telefone tocou novamente.
- fala!
- seu Roberto Teles, sou eu novamente. é sobre a entrevista. a gente pode ir na sua casa se o senhor desejar. a menina com voz de tele-sexo insistia naquela situação. ele resolveu topar. não porque estava com vontade de ser entrevistado, mas não queria atender novamente o telefone. marcaram para às 10 horas. ele ainda tinha 20 minutos para tomar um banho. empurrar um copo de leite e dar a sua cagada matinal. pontualmente a equipe chegou. ele já achou isso por demais de esquisito. os cachorros latiram desesperados. ele recebeu a turma. ofereceu água. eles ajeitaram o melhor local para a filmagem. ele estava com seus óculos escuros. a cabeça ainda molhada. não que ele tenha tomado banho, porque quando estava pelado dentro do box a água desaparecera. nada de diferente de todos os dias. refrescou a cabeça com a água da geladeira.
- pronto. acho que aqui está legal. a jornalista era uma menina bem novinha. devia ser estagiária ou recém-formada. vestia uma saia justa amarela. tinha um decote que deixava metade do peito de fora. a blusa era azul. trazia uns brincos enormes, vermelhos. e parecia irmã do menino da religião, toda sorridente.
- vamos começar? perguntou para o Roberto Teles.
- vamos lá. ele respondeu com um entusiasmo de quem desejava logo chegar ao fim daquela situação.
- o senhor poderia tirar os óculos escuros? a resposta não surgiu. e ela repetiu a triste pergunta.
- o senhor poderia tirar os óculos?
- qual o motivo?
- é que fica melhor assim?
- melhor pra quem?
- pra imagem, sabe?
- imagem de quem?
- da entrevista...ela estava sem graça. na verdade não sabia a razão dele ter que tirar os óculos escuros. apenas acatava ordens de alguém de sua emissora. algum idiota controlador que não tinha a menor sensibilidade com pessoas.
- pode ser?
- pode não.
- como não?
- não vou tirar meus óculos.
- mas é rapidinho, seu Roberto Teles, eu vou fazer algumas perguntas e o senhor...
- tira os óculos aí chefe, vai ser melhor pra imagem, o senhor vai aparecer melhor, não fica bem aparecer de óculos escuros na televisão. falou o câmera, um cara gordo, que vestia uma blusa apertada, que deixava explícito o quanto ele era um tremendo fominha. na certa ele não era um cara preocupado com imagens e seu discurso e sua aparência não lhe davam muita credibilidade.
- olha, meu jovem, isso é conversa pra boi dormir. coisas sem importância que ensinam pra vocês na academia. liga a câmera, aponta pra cá e você, menina, pergunta logo que eu tenho uns ratos e uns pombos pra domar. ele acendeu um cigarro e os dois da tv se olharam. não entenderam nada. a menina respirou fundo e ainda insistiu.
- coloca os óculos na minha mão. deixa que eu tomo conta pro senhor. ele ficou puto com aquela babaquisse toda. o cérebro ainda não havia retornado ao seu lugar de origem. ele sentiu uma enorme ânsia de vômito e resolveu acabar com aquela palhaçada.
- faz o seguinte, eu coloco os meus óculos na sua mão, mas só se você tirar a sua calcinha, o seu brinco ridículo e colocar a boca aqui no meu microfone. o câmera arregalou os olhos. em dois tempos partiu para cima do artista. deu duas porradas em sua cara. a menina aproveitou que o entrevistado estava no chão e deu um bico em sua barriga. pegaram as suas coisas e dirigiram-se para o portão da casa. estavam resmungando e rindo. ele levantou-se ainda dolorido. foi até o canil e abriu a porta. os cahorros estavam furiosos. partiram para cima da equipe de tv. o gordinho, foi alcançado quando tentava pular o portão. a menina sorridente levou uma dentada na cara e foi arrastada até o final do terreno. ele deixou os cães se divertirem bastante. quando os dois da tv ficaram imóveis, em silêncio, ele cavou duas covas rasas. jogou os restos da imprensa terra abaixo. cobriu com a terra e algumas folhas de bananeira e...
ele interrompeu o pensamento sincero. sorriu da atrocidade que acabara de imaginar e disse:
- olha, vamos fazer o seguinte, deixa a entrevista pra outra hora, eu não tô num dia muito bacana. a jornalista e o câmera ficaram putos, mas não insistiram mais. quando eles chegaram no portão ainda olharam para trás. o artista deu até logo para o casal da tv que saía sem a entrevista. recebeu um dedo como gesto de despedida da menina. tirou os óculos e sorriu para ela. entrou em casa. a luz já havia voltado. a água também. menos Bob Dylan. mas tinha Led Zeppelin. os ratos e os pombos já estavam domados.
- se eu fizesse tudo que eu penso... já tinha fudido com muita gente...disse em voz alta. pegou a garrafa de vodka no armário da cozinha. voltou para a sua cama. de onde jamais deveria ter levantado.
- agora só falta me aparecer Jesus...






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