quarta-feira, 11 de junho de 2008

FACES DESFIGURADAS DA REALIDADE

Desceu o morro com seu pandeiro abraçado. Era um mulato malandro bem conhecido na comunidade. Parou na birosca do Portuga, outro malandro disfarçado. Pediu uma dose. Acendeu um varejo. Prestou atenção na conversa paralela. Já estava quase na hora de pegar no batente. Sacudiu o pandeiro e atraiu um grupo diversificado de ouvintes. O Portuga, que tocava um cavaquinho como ninguém, se empolgou e arranhou o seu instrumento. Logo virou uma roda de samba. Só música da antiga. Jovelina Pérola Negra, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e muitos outros desse naipe. Bebeu outra dose. E mais outra. Já estava legal para trabalhar. Chamou um branquelo mau encarado, que rapidamente se aproximou.
- e, aí, mané? Deixa comigo agora, disse e pegou um saco que o branquelo trazia a tira colo.
- vou levar o dinheiro lá pra cima, toma um pouco pra dar troco, respondeu e saiu morro acima.
Tirou a pistola de trás da blusa e a colocou na cintura. Ficou alerta. Agora a parada era séria. Não podia vacilar. Os viciados iam e vinham misturados ao fluxo dos moradores. Avistou um garoto de pelo menos sete anos de idade correndo na escadaria. Trazia um fuzil atravessado no corpo.
- sujou, cara, se manda que os alemão tão na esquina. Eles vão invadir! E repetiu essa mesma frase em cada viela do morro. O tumulto foi geral. Cada um pegou sua posição. Em pouco tempo o perímetro estava coberto com vários moleques em cima das lajes e suas imponentes armas. Os policiais chegaram de mansinho. Começaram a subir como ratos, se enfiando em cada brecha. Cada barraco do percurso. E o inevitável aconteceu. Tiroteio. Corpos jogados escada abaixo. Sangue nas paredes e nas entradas de cada lar. Faces desfiguradas da realidade. O mulato descarregou sua pistola em cima dos intrusos. Mas ficou acuado. Foi de ré subindo o morro. Atirando. A munição chegou ao fim. Pulou dentro da vala. Esperou. Viu a tropa passar. O branquelo, que estava entre os cabeças da boca, havia bipado para a rapaziada do outro morro, que eram aliados. Surpreenderam os policiais no topo. Eles já contavam vitória. Não estavam à espera. Foi um massacre. O mulato ao ouvir os grito pelo morro, saiu da vala e foi em direção ao cume. A essa altura, o helicóptero da polícia já sobrevoava o topo. E mandava bala. Ele apareceu nas costas dos policiais. Foi capturado. Enquanto o tiro comia solto, um oficial ordinário colocou sua pistola na cabeça do mulato e mandou bala. Sem perdão. O comércio fechou o outro dia. Na igrejinha de cima aconteceu uma missa em homenagem aos bandidos mortos no confronto. O alto-falante da rádio comunitária tocava sambas das antigas. Jovelina Pérola Negra, Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal...



Nenhum comentário: