sexta-feira, 13 de junho de 2008

MICHELANGELO IV


Não contava com a chegada inesperada do Rei. Os enormes portões se abriram e em seguida o salão ficou tomado de súditos e de todo aquele aparato aviadado da realeza. Tentou ficar camuflado. Se esquivou. Mas sabia que sua hora estava para chegar. Nunca havia faltado com um prazo. Nunca deixou de apresentar as contas. Trazia tudo calculado nos mínimos detalhes. Mas desta vez o destino lhe pregou uma peça. Quando deitou na noite anterior, seus filhos jogavam xadrez com os moleques na porta. Um dos pivetes achou que estava sendo passado para trás. Logo a porradaria tomou conta da rua. Outros moleques se aproximaram e foi a maior gritaria. Todos queriam ver sangue. Eram criados para a luta. Não podiam querer ver outra coisa. Seu filho levou um diretão no meio da cara. Caiu para trás atordoado. As imagens ficaram desajeitadas na retina. Levantou-se cambaleando. Entrou em casa às pressas. Pegou a primeira coisa pesada que encontrou. Precisava derrubar seu oponente, ou ficaria desmoralizado, sem utilidade para as futuras batalhas. Seu pai havia deixado sua pedra de anotações contábeis reais em cima da mureta da sala. Ele nem viu o que estava escrito. Apropriou-se do objeto. Transformou-o em uma arma letal e o espatifou na cabeça distraída de sua vítima. De manhã, seu pai procurou sem respostas a pedra perdida. Era o dia da prestação de contas. O Rei levantou a mão direita. O homem começou a gaguejar suas satisfações contábeis, mas o Rei desconfiou que havia algo errado. Apontou para a chão. O homem se aproximou e, sem palavras, apenas mostrou uma pedra qualquer. Os leões se alimentaram tanto, até o cú fazer bico.





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