sábado, 14 de junho de 2008

SALVADOR DALÍ I



Em madrugadas de tempestades eles conseguiam muito mais peixes. Eram jogados para fora d'água e aterrisavam bem nas redes dos pescadores. Não tinham como desviarem. Em compensação, os riscos eram maiores. Pelo menos um por noite não voltava para aquecer sua mulher. Contagem regressiva de gênero. Inevitável extinção. Todas as manhãs, cada janela apresentava a sua coitada. Olhar perdido no horizonte. As tarefas domésticas deixadas pra trás. Um Beckett sem Godot. As horas faziam sua parte, massacravam a infeliz. À distância todo movimento na água era esperança. O desconforto não aceitável por elas, era sentido no cair da noite vazia. Vista de longe, a imagem chocava. Quase que orquestrados, os corpos eram arremessados janela abaixo. Uma melodia pesada, encharcada e sem público. Contagem regressiva de gênero. Inevitável extinção. E assim os dias passavam. E na outra madrugada, tudo de novo. O número de habitantes na cidade foi reduzido. Crianças. Só crianças. Totalmente despreparadas para a vida. Não sabiam nem como se alimentar. Algumas de colo ainda. Canibalismo infantil. Sobrou apenas um casal. Irmãos. Gêmeos. Passaram a viver de folhas e frutos. Cresceram. Treparam. E numa madrugada de tempestade, o homem foi pescar. Ela ficou lá, até o cair da noite. Até o cair.





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