terça-feira, 10 de junho de 2008

FREE

Estavam todos espalhados pela arquibancada da praça. Falavam besteira atrás de besteira. Bebiam cachaça. Riam sem parar. Toda madrugada de pixação era sempre o mesmo ritual. A competição amigável os motivava. Alguém acendeu uma palha. Silêncio. Algo parecido com um juramento. Deu para todos. Depois de um hiato de tempo, as conversas continuaram do ponto em que pararam. Zako se aproximou de Free .
- hoje tu tá fudida! Só vou mandar nas alturas, disse, desafiando a menina. Free era a mais famosa na cidade. O que deixava todo pixador da antiga irritado. Pelo menos, se fosse um homem, mas uma mulher? Era muito humilhante para eles.
- tu é o maior garganta...invejoso pra caralho...tá longe de bater o meu record, falou a menina cheia de moral. Ela sabia que no fundo eles eram moleques cagões. Tiravam a maior onda, mas só botavam meio pau. A garotada mais jovem corria atrás dela para pedir autógrafo. Ela achava o máximo ser a fodaça do bairro. Saíram para o Centro da Cidade. A meta era o relógio da Central. Já sabiam como poderiam subir. Teriam que passar pelo porteiro. Depois pelos dois militares do primeiro andar. E só então, conseguiriam se perder pelos andares do gigantesco e imponente prédio cobiçado. Até chegarem às alturas. Cada deveria seguir o seu rumo. Free era muito famosa não somente pela quantidade de pixações e pela beleza de seu traço. Ela pixava sozinha. Era um mito na periferia. Entrou no prédio. Viu os meninos renderem o porteiro. Se escondeu na pilastra. Um tumulto desgraçado. Gritos. Tudo errado. Tiros. Tudo acabado. Correu para a escada. Não podia voltar. Em pouco tempo o local estava repleto de curiosos. E de policiais. Subiu as escadas. Um dos militares estava debruçado no corrimão assistindo toda a ópera. Ela foi em direção do banheiro. Mas precisava passar pelo outro.
- ei, mocinha, não pode ficar aqui não, disse o cara gigantesco fardado.
- só quero ir ao banheiro, ela respondeu como uma Lolita. O militar permitiu. Ela agora precisava pular a janela do banheiro, que dava para outro corredor. Subiu na pia. Abriu a janela. Colocou metade do corpo para fora. Estava quase lá. Sentiu uma mão forte nos seus pés. Ficou no meio do caminho.
- tá pensando que vai aonde? Disse o militar que havia deixado ela ir ao banheiro.
- pera aí, cara, eu só quero fazer uma parada, respondeu assustada com aquela pressão nos seus pés. O homem puxou-a para dentro. Olhou aquele corpo de dezessete anos e meteu a mão no seus peitos. Ela deu uma joelhada, que passou longe do alvo. Ele enfiou a língua dentro de sua boca e percorreu todo o corpo com suas mãos pesadas. Ela tentou argumentar. Foi calada. Não teve jeito. O outro militar ouviu barulhos dentro do banheiro e entrou. Era a chance dela sair dali. Fez uma cara de pedido de socorro. O cara apenas deu um sorriso. Abriu o zipper e partiu para dentro. Foi comida pelos dois.
- agora pode ir. Só não passa no sexto andar que lá tem cinco soldados, advertiu um dos militares. Talvez arrependido da forma como obteve prazer. Ela saiu com seus restos e pegou o elevador. Não pensava em outra coisa, senão deixar sua marca no topo daquele relógio. Chegou ao último andar. Escalou uma mureta íngrime. O vento estava forte. Rumava para o litoral. Se agarrou às grades de proteção. Colocou uma mão. Só depois de um tempo, a outra. Levantou uma perna. Apoiou-a. Puxou seu leve corpo para cima. Ficou presa apenas por uma perna e um braço. Tirou o spray da mochila. FREE. Lembrou-se dos militares no banheiro. Sentiu o vento lhe chamar. Deixou seu corpo lá embaixo. Nunca mais foi esquecida.



3 comentários:

Unknown disse...

Um amigo enviou essa cronica, pois viu muitas semelhanças comigo, pois nos anos 80, eu pixava FREE e era muito famosa na arte de XARPI, era uma das poucas mulhers que pixava e realmente tinha muitos nomes. Gostaria de saber quem é vc, penso eu que seja alguem, talvez um colega daquela epoca.
Um abraço,
FREE

Anônimo disse...

Ei, Free, qual o seu contato, acho que deve ser quem eu penso que é. Não era seu amigo naquela época, mas vivenciei tudo aquilo.
Beijos

Marcelo Perez disse...

Ei, Free, tô morando no estado de Roraima, longe pra caraio! Mande um contato de e-mail. Talvez eu vá ao Rio no fim desse mês e então te ligue, mas gostaria de falar com você antes.

Beijos