sexta-feira, 13 de junho de 2008

MICHELANGELO II

Foi uma correria na feira do vilarejo. As pessoas angustiadas sem saber que direção tomar. Gritos. Muitos gritos sem socorro. Um magricela se esgueirava de todos os obstáculos encontrados pela frente. Sua meta precisava ser alcançada. O final da feira. Dali, dobraria a próxima esquina e cairia pelo mundo. Já era. Sábado era um tormento. Dia em que todos aproveitavam a folga na colheita e tratavam de dar um trato em suas vidas domésticas e sociais. O povo vivia da terra. A moeda de troca era o fruto de seu próprio suor. Alimentos, objetos e qualquer outra coisa que pudesse beneficiar algum indivíduo. Roubar era ato imperdoável. Mas também não deixava de ser um desafio para aqueles que viviam à margem da sociedade. O último ladrão perdeu a cabeça com tanta facilidade para roubar. Literalmente. E o magricela continuou na função. Estava bem próximo. Sabia muito bem o que poderia lhe acontecer se fosse pego. Estava disposto a tudo. No seu caso, como era uma quantidade pequena, arrancariam apenas uma de suas mãos. Não queria outro incentivo melhor para continuar seu fuga desesperada. Eles até toleravam que uma vez ou outra, alimento ou qualquer objeto fosse roubado. Davam um jeito de abafar o caso. Era melhor manter a marca de roubos mais graves bem distante dali. O corredor ilegal tropeçou num saco de batatas. Tocou o céu de raspão. Deixou a cara estatelada no chão e desapareceu embaixo dos corpos. Por pouco não foi linchado. Foi à julgamento em praça pública. De um lado um juiz improvisado, o vendedor de cebolas . Do outro, o réu, com a mão em cima de um tronco avermelhado e o carrasco. Também improvisado, o cara do alho. O carrasco levanta o fruto do roubo. Um punhado de erva. A multidão enlouquece raivosamente. Palavrões. Berros. Coisas jogadas no réu. Apesar de pouca quantidade, a erva era sagrada naquele vilarejo. As famílias formavam um imenso círculo e fumavam até altas horas para espantar os espíritos negativos da redondeza. Todas as noites o mesmo ritual. Era o segredo da prosperidade. Levantou a mão piedosamente. Acompanhou a trajetória do sangue jorrado. Tentou esticar o braço para o resgate, mas não teve controle de seus movimentos. Morreu de dor. Era frágil demais para isso.





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