quinta-feira, 12 de junho de 2008

PELOS CANTOS

Não tinha muitas amigas. Na escola, todos a olhavam atravessado. Vestia-se diferente. Abusava do preto. Carregava cruzes em bijouterias enormes. Não largava um copo de milkshake do Bob’s. Não estava nem aí para o que falavam dela. Entrava e saía sem falar com ninguém. Quando muito, algumas palavras com a tia da cantina. A coroa não gostava das patricinhas. Gostava do seu estilo arrojado e foda-setodomundo. Na hora do recreio, esperava acabar o tumulto inicial no banheiro. Entrava calmamente quando vazio. Tinha tempo. Curtia a vida livremente, mesmo sabendo das regras impostas pela sociedade. Tentava burlar ao máximo. Existia um grupo de garotos metidos a espertos, que sempre reprovavam, fumavam escondido no banheiro e se aproveitavam das menininhas de séries mais atrasadas. Ela estava na mira daquela turma. No dia da Festa Junina da escola, o colégio todo se concentrou na parte de trás da Instituição. O que deixou a frente e os corredores com todas aquelas salas e banheiros super vazios. Ela não queria se misturar. Foi com seu copo de milkshake para dentro. Escolheu uma sala afastada e sentou-se. No pendrive, ouvia Inocentes. Os espertos sabiam onde encontrá-la. Se aproximaram, sem muito barulho. Observaram a menina no canto da sala. Quieta. Invadiram. Ela continuou na dela. - e aí, maluquinha, o que é que tem pra gente, falou o marombado, com um gorro preto na cabeça.
- vocês querem um pouco? Ofereceu o copo. O menorzinho, mais metido a valente, arrancou logo o copo de suas mãos.
- vai devagar. Não é pra tomar... advertiu a menina. O rapaz deu uma forte sugada no canudo. Nenhum líquido. Apenas um forte cheiro e gosto de cola de sapateiro. Afastou o copo com nojo. Deu para os colegas.
- olha lá, a menina tá na maior pressão...disse o playboy de cabelos lisinhos. E enfiou a boca no canudo. Deu uma risada. Curtiu. Sentaram-se perto da menina. E ficaram ali, viajando aquela onda toda.
- eu preciso ir, disse a menina.
- nada disso, pera aí. Agora vai provar das nossas coisinhas, disse o playboy e colocou para fora um saco. Retirou de dentro uma seringa. Uma colher. Colocou um pó cinza na colher. Abriu um frasquinho de água. O derramou. Aqueceu a mistura obtida com um isqueiro.
- eu não curto essas paradas não, meu irmão, tentou se levantar. Foi impedida por todos.
- nada disso, tu não é maluquinha? Então, agora eu quero ver maluquice de verdade, falou o cara da seringa. Enfiou a seringa no líquido, puxou. Fez a seringa dar uma ejaculada no ar.
- ei cara, não acha que botou demais? Sussurrou uma voz preocupada. Os colegas a seguraram. Amarraram um elástico no braço. A veia saltou de susto. E lhe enfiaram a agulha. Ela sorriu um sorriso normal. Suavemente abaixou a cabeça e teve uma convulsão. Os rapazes, descontrolados, se mandaram. Seu corpo foi encontrado por duas meninas da sexta série. Falaram para a família que ela havia cometido suicídio. Que não tinha agüentado a normalidade da vida. Ela não se encaixava nos padrões. Foi enterrada sem muito alarde. O outro dia teve aula normal. Parecia que ela nunca estudara naquela escola. Tão indiferente como uma caminhada pelo pátio do colégio na hora do recreio.




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