sábado, 7 de junho de 2008

SENTIDO É NÃO PARAR DE IR EM FRENTE

Percorreu todo o quintal da sua casa. Catou todas as bostas esquecidas por seus cães. Mesmo assim ainda teve a coragem de trocar a bacia de água e de ração. Causa de todo esforço anterior. Mistura potente. Pegou a gaita em casa e deitou na rede do lado de fora. Acariciou-a. Ao mesmo tempo poeira e carinho. Assobiou bem devagar. Deu vida àquele objeto. Não queria seguir nenhum padrão. Não existia uma única canção na cabeça. E optou pelo livre momento de criação. Emendou uma à outra. Sempre baixinho. Levantou-se da rede. Movimentou o corpo ritmado. Interrompeu. Terrível vontade de tragar. Sacou o cigarro da orelha esquerda. Acendeu. Baforou sem piedade envenenando a sofrida gaita. Colocou o canceroso no final da mão e durante o tempo de vida do cigarro continuou tocando sem parar. Sem respirar fora dela. Sempre com movimentos ritmados pelo corpo. Interrompeu. Beijou o último trago do cigarro com intensa saudade. E percorreu todo o quintal da sua casa. Dessa vez, alucinado com a mistura do som ininterrupto e a economia de oxigênio circulado. Esbarrou em algumas bostas esquecidas por seus, quer dizer, por ele mesmo que esqueceu as bostas esquecidas por seus cães. Sentou-se no meio do quintal. Deitou-se. Engoliu a gaita vomitando em seguida barulhos esquisitos, ininterruptos e completamente sem sentido.
- sentido? Pensou. Silêncio seco. Pausa involuntária.
- sentido é não parar de ir em frente, disse em voz alta e atacou sua gaita. Dessa vez dançou deitado. Gostaria de morrer assim. Mas não estático. Cada vez que abrissem o seu caixão dariam de cara com aquela figura dançante e tocando gaita sem parar.
- mas isso é maluquice, imaginou.
Percebeu o horário da universidade. Pegou uma maçã. Foi ao banheiro e deu uma mijada. Pegou a bolsa e se mandou. Sem sentido algum.



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